Como a Covid-19 transformará a vida urbana?

Em Por que as cidades mais ricas da América continuam ficando mais ricas, um artigo de 2017 no The Atlantic, o professor de estudos urbanos e autor Richard Florida escreveu:

As indústrias mais importantes e inovadoras e as pessoas mais talentosas, ambiciosas e ricas estão convergindo como nunca antes, para poucas cidades superstars – centros de conhecimento e tecnologia. Este pequeno grupo de lugares de elite, sempre avança, enquanto a maioria dos outros lugares, estagnou ou ficaram para trás … Eles não são apenas os lugares onde as pessoas mais ambiciosas e talentosas desejam estar – eles estão onde essas pessoas sentem que precisam estar.

Os setores de conhecimentos, há muito tempo se concentram nas cidades e nas áreas metropolitanas vizinhas, onde eles têm mais acesso a uma força de trabalho com formação superior e alta qualificação. Mas, – de Milão a Nova York, – áreas urbanas de alta densidade conectadas globalmente foram o marco zero para a disseminação da Covid-19. As cidades agora correm o risco de perder o status de superstars de que desfrutaram nas últimas décadas?

Em meados da década de 1990, alguns previram que a Internet levaria ao declínio das cidades, porque permitiria às pessoas trabalhar e fazer compras em casa, manter contato com seus amigos por e-mail e ter acesso a notícias e entretenimento conectados. Mas, em vez de declinar, as megacidades continuaram a gerar os maiores níveis de inovação e bons empregos e, assim, atrair uma parcela desproporcional do talento mundial.

Por que as áreas urbanas se saíram tão bem, especialmente nas últimas décadas?

Cerca de 25 anos atrás, o físico Geoffrey West, – Professor e Ex-Presidente do Instituto Santa Fé, – se interessou em saber se algumas das técnicas do mundo da física poderiam ser aplicadas ao estudo de sistemas biológicos e sociais complexos. Ele se perguntou se poderíamos aplicar métodos científicos empíricos, quantificáveis e preditivos para tentar entender melhor as cidades e outras organizações sociais altamente complexas.

O Dr. West e seus colaboradores analisaram uma vasta quantidade de dados sobre cidades ao redor do mundo para explorar as relações entre a população e uma ampla gama de infraestrutura e medidas socioeconômicas. Eles descobriram que na infraestrutura das cidades, – por exemplo, a largura das vias e estradas, as linhas elétricas, o consumo de energia, o número de postos de gasolina – influenciam numa escala sublinear, com um fator de 0,85 a decisão de morar ou não na cidade.

Isso significa que as cidades que possuem tais infraestrutura, desfrutam de um benefício de 15% em economias de escala, – se a população de uma cidade dobrar, sua infraestrutura só precisa aumentar por um fator de 1,85. Esse benefício de 15% foi verdadeiro para cidades de qualquer tamanho em todo o mundo, bem como para qualquer infraestrutura mensurável.

Os resultados foram diferentes para medidas socioeconômicas associadas a pessoas, por exemplo, salários, patentes, instituições educacionais, entretenimento, espaços culturais. Eles também escalam com a população, mas em vez de seguir um fator de escala sublinear de 0,85, os atributos socioeconômicos escalam exponencialmente, com um fator superlinear de 1,15. Isso significa que, se você dobrar a população de uma cidade, haverá um aumento de aproximadamente 15% na produtividade, salários, entretenimento e instituições educacionais e assim por diante. A escala exponencial dessas medidas socioeconômicas positivas torna as cidades ainda mais atraentes para pessoas talentosas, o que, por sua vez, reforça seu apelo, levando a efeitos de rede e ao surgimento de cidades superstars.

“No entanto, algumas coisas ruins acompanham essas cidades superstars. Coisas como um aumento sistemático do crime e doenças, como AIDS, gripe e assim por diante.”

Esses problemas se elevam nos mesmos 15% que as qualidades das cidades. O que nos leva à Covid-19.

“A pandemia Covid-19 cria tanta incerteza porque atinge o coração de nosso mundo urbano”, escreveu o economista de Harvard Edward Glaeser em um artigo recente, – Cities and Pandemics Have a Long History. O artigo de Glaeser conta um pouco dessa longa história:

  • em 430 aC, a praga de Atenas matou dezenas de milhares, incluindo seu proeminente líder Péricles, contribuindo para a derrota de Atenas na Guerra do Peloponeso, que marcou o eclipse da antiga civilização mediterrânea;
  • em 541 DC a praga de Justiniano atingiu Constantinopla, matando um quinto de sua população e encerrando a tentativa do imperador Justiniano de reconstruir a glória do Império Romano;
  • em 1347, a Peste Negra transmitida por pulgas matou 100-200 milhões de pessoas na Europa, Oriente Médio e Norte da África, com cidades sendo particularmente vulneráveis à propagação da doença; e
  • em 1918, a gripe espanhola infectou cerca de 500 milhões de pessoas, – cerca de um terço da população mundial na época, – e matou cerca de 50 milhões em todo o mundo.

“Somente no século passado as cidades deixaram de ser campos de matança”, disse Glaeser.

Por cem anos, as cidades, especialmente aquelas em economias mais avançadas, não sofreram uma grande pandemia. Covid-19 é como um lembrete bíblico de que, apesar de todos os avanços científicos, tecnológicos e médicos do século passado, nossas cidades cada vez mais populosas estão mais uma vez à mercê de uma pandemia.

O que vem pela frente? Como a Covid-19 vai transformar a vida urbana?

As opiniões abundam, mas ainda é muito cedo para dizer. Em Como será a vida em nossas cidades após a pandemia do coronavírus, a Foreign Policy pediu a 12 importantes especialistas em planejamento urbano, incluindo os professores Florida e Glaeser, suas previsões. E qui estão alguns de seus pontos-chave.

Richard Florida continua otimista. “As previsões de morte de cidades sempre seguem choques como este. Mas a urbanização sempre foi uma força maior do que as doenças infecciosas … Alguns aspectos de nossas cidades e áreas metropolitanas serão remodelados … o desejo por arredores mais seguros e privados pode atrair alguns para os subúrbios e áreas rurais. Famílias com crianças e pessoas vulneráveis, em particular, podem trocar seus apartamentos na cidade por uma casa com quintal. Mas outras forças empurrarão as pessoas de volta aos grandes centros urbanos … As grandes cidades sobreviverão ao coronavírus ”.

Edward Glaeser alerta para possíveis consequências econômicas. “Só nos Estados Unidos, 32 milhões de empregos estão no varejo, lazer e hospedagem. Eles estão na linha de frente da pandemia … Se as pandemias se tornarem o novo normal, dezenas de milhões de empregos nos serviços urbanos desaparecerão. A única chance de evitar o Armagedom do mercado de trabalho é investir bilhões de dólares de forma inteligente na infraestrutura de saúde antipandêmica, para que este terrível surto possa permanecer uma aberração única.”

Rebecca Katz, professora de Georgetown, se pergunta se “Agora que tantos de nós criamos novas rotinas trabalhando remotamente por meio teleconferências, usando o Zoom, podemos começar a ver um êxodo da cidade para ambientes mais rurais”.

Talvez o declínio das cidades previsto por alguns na década de 1990 finalmente aconteça devido às nossas infraestruturas digitais significativamente mais avançadas.

“Embora seja impossível prever qual será o novo normal, pode muito bem ser a urbanização reversa”, acrescenta Katz. “No entanto, também esperamos que os líderes municipais se destaquem na preparação e resposta às doenças. O que antes era uma área subfinanciada e com falta de pessoal dos departamentos de saúde se tornará mais robusta. Vamos desenvolver as melhores práticas para proteger a saúde da população nas cidades, o que ajudará a manter os ambientes urbanos atraentes.”

Finalmente, o ex-vice-prefeito de Nova York, Dan Doctoroff, apresenta um forte argumento para aproveitar esta oportunidade para construir cidades melhores. “As cidades voltarão mais fortes do que nunca depois da pandemia. Mas quando o fizerem, será impulsionado por um novo modelo de crescimento que enfatiza a inclusão, sustentabilidade e oportunidade econômica … Reanimar o crescimento da população urbana após a pandemia começará com a restauração da confiança na saúde pública urbana e na segurança de uma vida densa. Mas quando as pessoas retornam às cidades – como sempre fizeram no passado – devemos alavancar novas políticas e tecnologias para tornar a vida urbana mais acessível e sustentável para mais pessoas.”

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