A crescente lacuna entre mudança tecnológica e institucional

Algumas semanas atrás, li o artigo The Exponential Age Will Transform Economics Forever, escrito por Azeem Azhar baseado em seu livro The Exponential Age. A tese central de Azhar é que há um abismo entre o que a tecnologia nos permite fazer e o que nossas instituições estão preparadas para lidar, e isso está se ampliando rapidamente. Novas tecnologias estão sendo inventadas e escaladas em um ritmo cada vez mais rápido. Mas nossas instituições – incluindo nossos sistemas econômicos, organizações políticas e normas sociais – mudam muito mais lentamente. Enquanto os avanços tecnológicos seguem uma curva exponencial, a adaptação institucional segue uma linha reta e incremental.

A lacuna entre mudança tecnológica e institucional não é nenhuma novidade. Desde o advento da Revolução Industrial, houve um intervalo de tempo significativo entre o surgimento de uma tecnologia transformadora e seu impacto nas economias e sociedades. Mesmo depois de atingir um ponto crítico de aceitação do mercado, leva um tempo considerável, muitas vezes décadas, para que seus benefícios sejam totalmente percebidos.

Em The Productivity J-Curve, um artigo de 2018, escrito por Erik Brynjolfsson, Daniel Rock e Chad Syverson, eles explicam que tecnologias transformadoras de propósito geral, como motor a vapor, eletricidade e semicondutores, “são as tecnologias definidoras de seus tempos  e pode mudar radicalmente o ambiente econômico. Elas têm um grande potencial desde o início, mas perceber esse potencial exige maiores investimentos intangíveis e muitas vezes desmedidos e um novo pensar estratégico.”

O ciclo de vida de tecnologias historicamente transformadoras, consiste em duas fases distritais, investimento e colheita. Como as tecnologias são de uso geral por natureza, elas exigem investimentos complementares maciços, incluindo redesenho de processos de negócios, co-invenção de novos produtos e modelos de negócios e requalificação da força de trabalho. Além disso, quanto mais transformadoras as tecnologias, mais tempo leva para chegar à fase de colheita, quando são amplamente adotadas por indivíduos, empresas e indústrias em toda a economia.

Azhar argumenta que a lacuna entre a mudança tecnológica e institucional aumentou consideravelmente em nossa economia digital baseada em dados do século XXI.

Até o início de 2010, a maioria das empresas assumia que o custo de seus insumos permaneceria bastante semelhante de ano para ano. As matérias-primas podem flutuar com base nos mercados de commodities; mas os processos de planejamento e gestão, poderiam administrar tal volatilidade. Mas na Era Exponencial, um fator primordial para uma empresa é sua capacidade de processar informações. Um dos principais custos para processar esses dados é a computação. E o custo da computação não aumenta a cada ano, ela diminui rapidamente. A dinâmica de como as empresas operam mudou.”

Por exemplo, há poucos anos atrás, as maiores empresas do mundo eram as de automóveis, petróleo, serviços públicos e outras. Mas, nas últimas décadas, assistimos ao surgimento de empresas superstars, que usam os dados coletados de seus clientes para oferecer produtos e serviços personalizados de acordo com suas preferências individuais. Quanto mais dados uma empresa tiver, mais clientes poderá atrair e mais dados poderá coletar, ajudando-as a oferecer produtos e serviços mais personalizados, o que torna suas plataformas ainda mais valiosas. Isso cria efeitos de rede e economias de escala, deixando as empresas menores sem acesso a todos esses dados em grande desvantagem econômica.

Na economia industrial dos dois séculos anteriores, o valor de uma empresa era determinado por seus ativos tangíveis, por exemplo, terrenos, plantas, equipamentos, veículos. Mas, nas últimas décadas, vimos o valor crescente de ativos intangíveis, incluindo patentes, direitos autorais, marcas registradas, fundo de comércio, valor da marca, capital humano, P&D, software e dados.

  • Em 1975, o valor total das 500 maiotes empresas era de US$ 715 bilhões, dos quais 17% eram intangíveis.
  • Em 1995, as porcentagens mudaram, com os intangíveis sendo 68% de US$ 4,6 trilhões.
  • Em 2005, eram 80% de US$ 11,6 trilhões ; e
  • Em 2018, 84% de US$ 25 trilhões .

Na Era Exponencial, essa divergência está em crescimento – e está em toda parte”, escreve Azhar. Essa crescente divergência levou a uma série de problemas:

Poder de mercado, monopólios e antitruste.Quando uma empresa da era exponencial é capaz de crescer em uma escala sem precedentes e estabelecer um enorme poder de mercado, ela pode minar o dinamismo do mercado. No entanto, as regras de monopólio da era industrial podem não reconhecer esse comportamento como prejudicial.”

Situação de trabalho e emprego. Muitos empregos hoje, estão baseados rm plataformas de trabalho temporário, como o Uber e Ifood. Essas plataformas criam um mercado para uma variedade de empregos mas, “Quando os trabalhadores competem por trabalho em plataformas de compartilhamento de tarefas, licitadas por meio de aplicativos móveis, qual é o status de emprego? Que direitos eles têm? Esse processo os empodera ou os desumaniza? Ninguém tem certeza: nossas abordagens de trabalho foram desenvolvida para modelos do séculos XIX e XX.”

Informações e privacidade do cliente.À medida que as empresas desenvolvem novos serviços usando tecnologias inovadoras, cada vez mais aspectos de nossas vidas serão mediados por empresas privadas. O que antes considerávamos privado para nós será cada vez mais comprado e vendido por uma empresa da Era Exponencial. Isso cria uma dissonância: os sistemas que temos para proteger nossa privacidade são inadequados; lutamos para criar um novo e mais adequado conjunto de regulamentos”.
Há quase 80 anos, o economista austríaco Joseph Schumpeter escreveu sobre a destruição criativa – “o processo de mutação industrial que revoluciona a estrutura econômica, ao mesmo tempo, destrói a forma antiga, criando uma nova”. Tecnologias e inovações disruptivas têm sido uma oportunidade para as startups assumirem status de empresas estabelecidas com novos produtos que oferecem recursos significativamente melhores e/ou custos mais baixos.

Em minha carreira na indústria de TI, é preocupante ver quantas empresas de TI, outrora poderosas, não existem mais ou são sombras de seus antigos valores, por exemplo, Digital, Wang, Sun Microsystems, BlackBerry. Embora as forças disruptivas possam ter sido mais poderosas no setor de TI, nenhum setor está imune.

O artigo de Azhar menciona o caso da Kodak, que durante a maior parte do século 20 teve uma posição dominante em filmes e câmeras fotográficas. Em 1975, a Kodak vendeu 90% do filme fotográfico nos EUA e 85% das câmeras. Em 1975, a Kodak desenvolveu a primeira câmera digital, mas não aproveitou a oportunidade, por medo de canibalizar seus negócios. À medida que a transição para o digital se acelerou nas duas décadas seguintes, a Kodak passou a desenvolver uma série de câmeras digitais, mas a empresa nunca conseguiu se adaptar às mudanças nos mercados e, em 2012, entrou com pedido de falência. “O fracasso de uma empresa em se adaptar é ruim para seus acionistas”, observa Azhar. “A empresa vai à falência, deixando clientes com produtos extintos e funcionários com boas (ou nem tão boas) lembranças. Mas este não é o fim do mundo.” As indústrias de tecnologia da informação e fotografia digital continuam a prosperar.
No entanto, à medida que a Era Exponencial decolar, a lacuna representará um problema cada vez maior”, acrescenta. “Na virada da década de 2020, a tecnologia exponencial tornou-se sistemicamente importante. Todo serviço que acessamos, seja no país mais rico ou no mais pobre, provavelmente será mediado por um smartphone. Cada interação com uma empresa ou com o governo será tratada por um algoritmo de aprendizado de máquina. A educação e a saúde serão entregues por meio de tecnologias habilitadas para IA. Os produtos industrializados, sejam eles para conveniências domésticas ou nossas carros, serão produzidos por impressoras 3D. As tecnologias exponenciais serão cada vez mais o meio pelo qual interagimos uns com os outros, com o estado e a economia”.

“Para as pessoas e empresas que entendem essa mudança, a lacuna exponencial cria uma enorme oportunidade. Aqueles que aproveitam o poder da exponencialidade se sairão muito melhor do que aqueles que não o fazem. Não se trata apenas de riqueza pessoal. Nossas regras e normas são moldadas pelas tecnologias da época – aqueles que projetam tecnologias essenciais têm a chance de moldar como vivemos. E essas pessoas são a minoria. Estamos testemunhando o surgimento de uma sociedade de dois níveis – aqueles que aproveitaram o poder da nova tecnologia e aqueles que não aproveitam.”

O que pode ser feito sobre o aumento da lacuna exponencial? Os avanços tecnológicos claramente continuarão. Portanto, só poderemos fechar a lacuna “equipando nossas instituições sociais – governos, empresas e normas culturais – para se adaptarem”, escreveu Azhar em conclusão. “Isso nos permitiria aproveitar o poder da exponencialidade e as regras e normas que podem moldá-la para as necessidades da sociedade.

É uma necessidade urgente. Na Era Exponencial as instituições que governam nossas economias deixarão de ser adequadas ao seu propósito.  Novas tecnologias irão colidir com nossas expectativas, regras e sistemas existentes.  Precisamos de um pensamento radical para evitar que a lacuna exponencial corroa o tecido da nossa sociedade”.

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