Como a pandemia remodelará o trabalho?

“A crise do COVID parece destinada a remodelar os mercados de trabalho, em pelo menos quatro eixos: telepresença, desdensificação urbana, concentração de empregos em grandes empresas e força de automação geral”.

O texto é de David Autor e Elisabeth Reynolds, ambos do MIT, em um ensaio escrito em julho sobre ‘The Nature of work after COVID crisis” (A Natureza do trabalho depois da crise do Covid).

“Embora essas mudanças tragam benefícios de eficiência a longo prazo, elas tornarão mais intensas a dor econômica, a curto e médio prazo para os trabalhadores economicamente menos seguros, particularmente, aqueles no setor de serviços, em rápido crescimento, porém não bem remunerados.”

Autor e Reynolds são co-presidentes da força-tarefa Trabalho do Futuro, cujo relatório foi publicado em 2019. A conclusão do relatório é precipitada ao dizer que a ‘probabilidade de que IA e automação acabem com os principais setores da força de trabalho no futuro próximo’. No entanto, haviam razões para preocupação, em particular, a crescente polarização do emprego e da distribuição de salários nas últimas décadas, que beneficiou de forma desproporcional os profissionais altamente qualificados. O desafio mais crítico, comenta o relatório, não é necessariamente a falta de empregos, mas a baixa qualidade dos empregos e carreiras; disponíveis para os trabalhadores, especialmente aqueles sem formação universitária.

Apesar das preocupações sobre as consequências distributivas do avanço das tecnologias, até o início da crise do COVID, estávamos otimistas sobre as perspectivas de crescimento contínuo do emprego, mesmo em face do fraco crescimento dos salários” – disseram os autores.

Em 2019, eles escreveram: ‘Prevemos que nas próximas duas décadas os países industrializados terão mais vagas de emprego do que trabalhadores para preencher estas vagas, e que a robótica e a automação desempenharão um papel cada vez mais crucial nessas lacunas’. “A crise do COVID abalou nossa confiança nessa previsão – não apenas porque o COVID gerou desemprego em massa no curto prazo, mas também porque a trajetória do trabalho pós-crise, agora é mais preocupante.”

Aqui vai um resumo das principais preocupações dos autores.

Eixo 1: Telepresença

A telepresença pode ser vista como uma forma de automação usada para permitir que pessoas conversem, como se estivessem face a face, embora não precisem se deslocar para tanto — e isso evita contratempos e gastos com deslocamentos.

“Isso se aplica aos locais de trabalho, que são lugares caros e preparados para a realização de tarefas que muitos funcionários poderiam realizar de outro lugar, embora com a perda de importantes aspectos sociais.”

Existem muitos custos indiretos associados ao trabalho no escritório. O Census Bureau estima que os trabalhadores norte-americanos gastam cerca de 30 minutos indo para o trabalho e mais 30 minutos voltando dele, o que corresponde a 225 horas por ano.

De acordo com pesquisa do Atlanta Fed, a parcela prevista de dias de trabalho, às partir de casa triplicará apos a pandemia, passando de 5,5% para 16,6% das pessoas trabalhando todos os dias de casa.

As empresas disseram que cerca de 10% de sua força de trabalho, em tempo integral, trabalhava em casa pelo menos um dia por semana em 2019, e essa fração deve aumentar para quase 30% após o fim da crise. Um estudo recente realizado por economistas da Universidade de Chicago estima que quase 40% dos empregos nos EUA podem ser realizados às partir de casa, uma projeção que se aplica principalmente ao quartil superior de trabalhadores altamente qualificados. Considerações semelhantes se aplicam às viagens de negócios, que o COVID agora mostrou não ser tão indispensável quanto pensávamos anteriormente.

Se a telepresença reduzir o tempo de trabalho nos escritórios e também das viagens de negócios, isso será acompanhada por quedas acentuadas em uma variedade de serviços de apoio, incluindo serviços de alimentos (9,2%), transporte (8,5%) e limpeza de prédios e manutenção (3,0%).

Esses serviços de baixa qualificação e baixa remuneração representam 1/4 de todos empregos nos Estados Unidos e representam uma parcela cada vez maior de empregos entre os trabalhadores sem credenciais de ensino superior.

“Uma contração substancial da demanda nesses serviços significará perda significativa de empregos… – e um período de ajuste do mercado de trabalho.

Eixo 2: Desdensificação urbana

Na década de 1990, a Internet deveria ter inaugurado uma economia e uma sociedade mais descentralizadas. Alguns especialistas em gestão previram que o surgimento da Internet levaria ao declínio das cidades. As pessoas poderiam trabalhar, fazer compras, entrar em contato com amigos e colegas e ter acesso a todos os tipos de informações e entretenimento online, independentemente de onde morassem. Por que alguém escolheria viver em uma área urbana superlotada, cara, sujeita ao crime e a doenças, quando poderia levar uma vida mais relaxada e acessível em um subúrbio ou cidade menor?

Mas, em vez de declinar, as áreas urbanas cresceram nas últimas três décadas. Em um artigo de 2017, o professor de estudos urbanos e autor Richard Florida escreveu:

“As indústrias mais importantes e inovadoras e as pessoas mais talentosas, ambiciosas e ricas estão convergindo como nunca antes, para um número reduzido de ‘cidades superstars’ que são cidades líderes do conhecimento e da tecnologia. Este pequeno grupo de cidades de elite avança e sempre cresce, enquanto a maioria das outras cidades luta contra a estagnação, ou ficam para trás … Elas não são apenas os lugares onde as pessoas mais ambiciosas e talentosas desejam estar – elas estão onde essas pessoas sentem que precisam estar.”

“Parece plausível, que a economia pós-pandemia verá uma reversão parcial dessas tendências”, disseram Autor e Reynolds.

Se os profissionais concluírem que não é mais necessário se deslocar para escritórios nos grandes centros, e se os viajantes a negócios descobrirem que não precisam mais comparecer às reuniões pessoalmente, poderemos ver um declínio na vitalidade econômica e cultural das cidades. Essas mudanças impactariam gravemente as perspectivas de emprego dos trabalhadores urbanos de serviços sem educação superior.

É difícil prever como a crise de Covid transformará a vida urbana a longo prazo. Talvez a urbanização reversa que alguns previram na década de 1990 finalmente aconteça devido às nossas infraestruturas e sistemas digitais significativamente mais avançados.

No entanto, o professor Florida opôs-se a esta ideia, em um artigo recente:

“…a urbanização sempre foi uma força maior do que as doenças infecciosas … Alguns aspectos de nossas cidades e áreas metropolitanas serão remodelados … o desejo por ambientes mais seguros e privados pode atrair alguns para os subúrbios e áreas rurais … Mas outras forças empurrarão as pessoas de volta para os grandes centros urbanos … As grandes cidades sobreviverão ao coronavírus.” O tempo vai dizer.

Eixo 3: Concentração de emprego em grandes empresas

A pandemia está afetando desproporcionalmente as pequenas e médias empresas, muitas das quais não possuem a capacidade financeira necessária para sobreviver. A onda de fechamento de empresas vai acelerar o domínio de grandes empresas em vários setores.

Essa realocação da atividade econômica para as grandes empresas, reduzirá a renda do trabalho e aumentará a desigualdade. As grandes empresas tendem a pagar uma parcela menor de seus ganhos em salários, enquanto dão um retorno maior aos proprietários e investidores.

Eixo 4: Força de automação geral

Embora seja difícil de medir e quantificar neste momento, a pandemia provavelmente terá um grande impacto no futuro do trabalho, à medida que as instituições aceleram a adoção de tecnologias digitais e automação. A necessidade de transformação digital encontrou apoio no cenário pandêmico e seu processo de adoção foi acelerado pelas empresas. Durante anos, muitos encontraram todos os tipos de motivos para não abraçar o trabalho remoto, a telemedicina, o aprendizado online, as reuniões virtuais e outros tipos de soluções digitais. Porém, agora descobrimos que essas soluções eletrônicas têm funcionado muito bem. Como costuma acontecer, a necessidade é a mãe das invenções.

As empresas vão abraçar e escalar muitas das mudanças que foram forçadas a fazer para lidar com a crise.

“novas maneiras de aproveitar as tecnologias emergentes para realizar suas tarefas principais, com menos trabalho humano … esses desenvolvimentos certamente aconteceriam a longo prazo. Mas a crise os fez avançar, acelerando os ganhos de produtividade que os acompanham e os inevitáveis ajustes do mercado de trabalho acontecerão”.

“Começamos este ensaio falando sobre as consequências da crise COVID e a automação no mercado de trabalho”, escreveram Autor e Reynolds em conclusão.

A pandemia remodelará o trabalho? A resposta é não, sim e talvez…

Embora a crise tenha acelerado a trajetória da automação e seu provável impacto sobre os empregos, as consequências de longo prazo para os trabalhadores comuns ainda serão determinadas.”

O relatório final da força-tarefa Trabalho do Futuro será publicado ainda este ano.

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