Privacidade no mundo digital

Imagine ter uma chave. Uma chave ou uma senha que conceda acesso à porta da frente de sua casa, do seu quarto, da sua agenda, do seu computador, seu telefone, seu carro, seus registros de saúde. Se você tivesse essa chave, você sairia por aí fazendo cópias dessa chave e entregando-as para estranhos? Provavelmente não. Então, por que você estaria disposto a entregar seus dados pessoais para qualquer pessoa que pede isso na internet?

Sua privacidade é como uma chave que desbloqueia os aspectos mais íntimos e pessoais da sua vida. Sua história. Seu passado, presente e possível futuro. Seus medos, fracassos e vitórias. A pior coisa que você já fez, disse e pensou. Seus erros e acertos.

Quando você dá essa chave a alguém que te ama, isso te permite aproveitar esta proximidade para compartilhar não só o que lhe torna forte, como também suas vulnerabilidades; confiando que essa pessoa não tomará vantagem da posição privilegiada conferida pela intimidade. Pessoas que te amam também podem usar sua data de nascimento para organizar uma festa surpresa de aniversário para você; elas sabem do que voce gosta e provavelmente lhe comprarão um presente.

No entanto, nem todo mundo usará o acesso à sua privacidade à seu favor. Estelionatários podem usar sua data de nascimento para se passar por você enquanto cometem um crime; podem atrair você para maus negócios; e outros ainda podem usar seus medos para ameaçá-lo e chantageá-lo. Pessoas sem qualquer escrúpulo, explorarão seus dados para qualquer outro interesse, menos os seus. Pessoas e empresas com as quais você interage, não têm como prioridade seus interesses; apenas os delas.

Privacidade é importante porque a falta dela dá aos outros poderes sobre você.

Você pode até pensar que não tem nada a esconder, nada a temer. Você está enganado – Você tem muito a perder, muito a temer e o fato de não sair por aí publicando suas senhas ou dando cópias de suas chaves para estranhos atesta isso.

Pensar que sua privacidade está segura porque você não é uma pessoa importante, é ledo engano. Se você não fosse tão importante, as empresas e os governos não teriam tanto trabalho para espioná-lo. Seu maior poder hoje, é a sua atenção e sua presença on-line. E há uma guerra sendo travada por isso, nesse instante.

  • Você tem dinheiro, mesmo que seja não muito. As empresas querem que você gaste até o seu último centavo com elas.
  • As seguradoras também querem seu dinheiro; desde que você não aumente o risco do negócio deles; e para isso, eles precisem de seus dados para poder te avaliar.
  • Como está sua saúde? Instituições públicas e privadas querem muito ter essa informação; querem conhecer seus medicamentos, quais hospitais e farmácias você frequenta.
  • Criminosos querem seus dados para cometer crimes em seu nome e fazer compras com seu cartão de crédito.
  • E os seus contatos, na agenda do seu celular? Você é filho de alguém, vizinho de alguém, professor ou advogado de alguém. É por isso que os aplicativos pedem acesso aos seus contatos.
  • Você é uma pessoa influente na sua comunidade? Empresas querem usar você como porta-voz delas e de seus produtos.
  • Você vota. Forças políticas querem que você vote no candidato dos interesses deles.

Como você pode ver, você é uma pessoa muito importante e seus dados são uma importante fonte de poder. Então, a maioria das pessoas deveriam estar ciente de que seus dados valem muito. E seus dados não são valiosos apenas porque podem ser vendido.

O Facebook, tecnicamente, não vende seus dados. Nem o Google faz isso. Eles vendem o poder de influenciar você. Eles querem seus dados para que possam vender o poder de mostrar a você anúncios e o poder de prever seu comportamento. Google e Facebook tecnicamente não estão apenas nos negócios de dados; eles estão principalmente no negócio do poder. Ainda mais do que o ganho monetário, os dados conferem poder àqueles que os coletam e analisam esses dados, e é isso que os torna tão cobiçados.

Poder

A única coisa mais valiosa do que dinheiro, neste mundo é o poder. Com poder pode-se fazer quase tudo e quase qualquer coisa. Se você tem poder, você pode ter não apenas dinheiro, mas também a capacidade de se safar quase de qualquer coisa que quiser ou fizer. Se você tiver poder o suficiente, pode até conseguir ficar acima da lei.

Existem dois aspectos no poder. O primeiro é o que Rainer Forst definiu como “a capacidade de ‘A’ motivar ‘B’ a pensar ou fazer algo que ‘B’ de outra forma não teria pensado ou feito”.

Pessoas e instituições podem fazer você pensar e agir de forma que você não estaria propenso a pensar ou agir. Os meios pelos quais eles constroem suas influências são variadas. Eles usam discursos, recomendações, narrativas ideológicas, sedução e até ameaças. Na era digital, pode-se incluir algoritmos, aplicativos, anúncios, notícias falsas, grupos falsos, contas falsas e narrativas repetidas que pintam a tecnologia como a solução para todos os nossos problemas, entre muitos outros meios pelos quais o poder é exercido. Isso é considerado o Soft Power.

A força bruta é também um exemplo de poder. Pense na força bruta em algo como exército dominando uma população, ou um bandido dominando você.

Max Weber descreve o segundo aspecto do poder, como a capacidade das pessoas e instituições de “realizar sua própria vontade, apesar da resistência“.

Isso é chamado de hard power. Pessoas e instituições querem nos fazem agir e pensar de acordo com a sua influência. Se eles conseguirem nos influenciar a agir e pensar como eles querem – então eles vão fazer por nós o que não faremos nós mesmos.

Existem diferentes tipos de poder: econômico, político, militar e assim por diante. Uma empresa com o poder econômico pode usar seu dinheiro para ganhar poder político, por exemplo. Uma pessoa politicamente poderosa pode usar seu poder para ganhar dinheiro trocando favores com empresas e governos. O fato de gigantes da tecnologia como Facebook e Google serem muito poderosas não é novidade. Entender a relação entre privacidade e poder pode nos ajudar a melhor compreender como as instituições acumulam, exercem, e transformar o poder na era digital, que por sua vez pode nos dar ferramentas e ideias para resistir a essa dominação que é estimulada por violações do direito à privacidade. Para compreender totalmente como as instituições acumulam e exercem poder na era digital, primeiro temos que olhar para a relação entre poder e conhecimento.

Poder e conhecimento

Existe uma forte conexão entre poder e conhecimento. No mínimo, o conhecimento é um instrumento de poder e o poder produz conhecimento tanto quanto o reverso.

Ao coletar seus dados e aprender sobre você, O Google ganha poder, e esse poder permite que o Google decida sobre você através do uso de seus dados pessoais. Ao proteger nossa privacidade, evitamos que outros recebam o poder de conhecimento sobre nós, que pode ser usado contra nossos interesses. Tendo mais poder, temos mais voz no que conta como conhecimento. Quanto mais alguém sabe sobre nós, mais eles podem antecipar cada movimento nosso, bem como nos influenciar. Compreender o poder, permite a percepção de que o poder não age apenas sobre os seres humanos – ele constrói atores. Poder gera poder, transforma vidas, muda o modo de participar do mundo. O teórico político Steven Lukes argumenta que o poder pode trazer um sistema que produz desejos nas pessoas que trabalham contra seus interesses. Os desejos das pessoas podem ser resultado do poder, e quanto mais invisíveis os meios de poder, mais poderosos eles são. Um exemplo disso é a tecnologia usada em aplicativos, que criam sensações como a dopamina. A dopamina é um neurotransmissor que ajuda a motivar a agir, antecipando a maneira como você se sentirá depois que seus desejos forem atendidos.

A tecnologia usa métodos como a criação de recompensas cronometradas irregularmente (é isso que torna as máquinas caça-níqueis tão viciantes) e usando cores chamativas e hipnotizantes, eles envolvem as pessoas  ao máximo com a plataforma.

As ‘curtidas’ e comentários em suas postagens “dão a você um pouco de dopamina“. Seu desejo de se envolver com um aplicativo não surge de seus compromissos e valores. Você não acorda pensando ‘hoje eu quero passar três horas percorrendo o feed de notícias do Facebook’.

Seu desejo é produzido pelo poder da tecnologia. Nesse sentido, então, não é um desejo inteiramente seu. Outro exemplo interessante é sobre ativistas políticos que pesquisam suas convicções e inclinações afetivas e cognitivas para mostrar a você um anúncio que o levará a agir da maneira que eles querem que você aja. O poder derivado do conhecimento e o conhecimento definido pelo poder, podem ser ainda mais dominantes quando há uma assimetria de conhecimento entre duas partes. Se o Facebook sabe tudo o que há para sabe sobre você, e você não sabe nada sobre o Facebook, o Facebook terá mais poder sobre você do que se ambas as partes soubessem quantidades iguais uma da outra. A assimetria se torna mais gritante se o Facebook sabe tudo o que há sobre você e você acha que o Facebook não sabe nada ou você não sabe o quanto o Facebook sabe sobre você. Isso o torna duplamente inconsciente. O poder que surge como resultado de saber detalhes pessoais sobre alguém é um tipo muito particular de poder, embora também permita a quem o detém a possibilidade de transformá-lo em poder econômico, político e outros tipos de poder.

O Poder na era digital

O poder de prever e influenciar, derivado de dados pessoais é o tipo de poder da era digital. Os governos sabem mais sobre seus cidadãos do que nunca. A Stasi, por exemplo, conseguiu ter informações sobre cerca de um terço da população da Alemanha Oriental (aproximadamente 19 milhões de pessoas, na época da segunda guerra mundial [1/3=6,3 milhões de pessoas]), mesmo que aspirasse a ter informações completas sobre todos os cidadãos. As agências de inteligência hoje possuem muito mais informações sobre a população. Para começar, uma proporção significativa de pessoas oferece informações privadas de graça, nas redes sociais. Como disse a cineasta Laura Poitras, “o Facebook é um presente para as agências de inteligência“. Entre outras possibilidades, esse tipo de informação dá aos governos a capacidade de antecipar protestos e prender pessoas antes mesmo que os protestos ocorram. Ter o poder de saber sobre um movimento político, antes dele acontecer e ser capaz de se antecipar antes que ele aconteça, é o sonho de qualquer tipo de governo.

O hard power da tecnologia

O poder das empresas de tecnologia é constituído, por um lado, pelo controle exclusivo de nossos dados, e por outro lado, pela capacidade de antecipar cada movimento nosso, o que, por sua vez, lhes dá oportunidades de influenciar nosso comportamento e vender essa influência a outros – incluindo governos. Parte da razão pela qual as grandes empresas de tecnologias nos pegaram de surpresa foi porque seus métodos escaparam do radar antitruste das autoridades. Estamos acostumados a medir o poder das empresas em termos econômicos; pelo aquilo que elas costumam cobram dos usuários. Mas o poder das grandes empresas de tecnologia vem do que eles recebem pelos nossos dados pessoais, não do que eles cobram. Tradicionalmente, o sintoma mais comum de uma empresa que merecia atenção antitruste era seu poder de ser capaz de aumentar os preços sem perder clientes. Dado que o Google e o Facebook fornecem “gratuitamente” serviços, a heurística falha. No entanto, se uma empresa pode causar danos aos seus clientes (por meio de preços mais elevados, por explorar dados dos usuários, falha de segurança ou outras condições abusivas), então há uma boa chance de isso ser um monopólio. As empresas que obtêm a maior parte de suas receitas por meio de publicidade têm usado nossos dados como uma vantagem competitiva que tornou impossível para empresas alternativas desafiar a tecnologia das titãs como Google e Facebook.

O motor de busca do Google, por exemplo, é tão bom, quanto em parte não é; porque seu algoritmo tem muito mais dados para aprender do que qualquer outro de seus concorrentes. Além de manter a empresa protegida contra concorrentes e permitindo treinar melhor seu algoritmo, essa quantidade de dados permite ao Google saber o que te mantém acordado à noite, o que você mais deseja, o que você planeja fazer a nas suas férias. A empresa então sussurra essa informação para outros que desejam direcionar anúncios a você. As empresas de dados são incrivelmente experientes no uso de ambos os aspectos do poder discutidos aqui: eles nos fazem dar nossos dados, mais ou menos voluntariamente, e também os roubam de nós, mesmo quando tentamos resistir. Quando os dados são roubados de nós, mesmo quando tentamos resistir, isso é o exemplo do poder da tecnologia. O Google armazena dados de localização, mesmo quando você diz para que ele não armazene. Uma investigação da Associated Press em 2018 descobriu que o Google estava armazenando dados de localização mesmo quando as pessoas desativavam o Histórico de localização. A página de suporte do Google, nessa configuração, afirmava: “Você pode desativar o Histórico de Localização a qualquer momento. Com localização Desativado, os lugares que você vai não são mais armazenados.” Isso não era verdade. Por exemplo, o Google Maps armazena automaticamente um instantâneo de sua latitude e longitude no momento em que você abre o aplicativo, mesmo que seu Histórico de localização esteja desativado. Da mesma forma, algumas pesquisas não relacionadas a onde você está, como ‘Cookies’, salvam sua localização em sua conta do Google. Para desligar os marcadores de localização, você tem que desligar uma configuração oculta chamada “atividade da web e do aplicativo“, que fica habilitada por padrão, é claro, e roubando informações de aplicativos e sites que você está acessando.

O hard power, às vezes, pode ser confundido com o soft power porque não parece ser violento ou abrupto. Mas quando as pessoas fazem algo contra você, quando você disse para ‘não’ fazer; isso é hard power. É contundente e é uma violação dos nossos direitos. Embora o poder da tecnologia esteja lá desde o início, com empresas obtendo nossos dados sem nosso consentimento, seus métodos estão se tornando menos sutis e obviamente autoritários.

A China é um exemplo. Por anos, o governo Chinês vem projetando e refinando um sistema de crédito social com a colaboração de empresas de tecnologia. Este sistema pega a ideia de solvência e a exporta para todas as áreas da vida com a ajuda de big data. Cada dado sobre cada cidadão é usado para avaliar uma pessoa em uma escala de confiabilidade. Em uma espécie de serviço de proteção aos cidadãos, ‘Boas ações’ fazem você ganhar pontos e ‘Más ações’ fazem você perder pontos. Você ganha pontos quando compra fraldas, por jogar videogame, por não comprar ou vender produtos falsificados, ou por não espalhar notícias falsas, que também fazem você perder pontos.

Uma das marcas das sociedades totalitárias é que o poder controla todos os aspectos da vida – e nesse sentido, esse poder é ‘total’. Em regimes democráticos, você não é penalizado em todas as esferas da vida por pequenas infrações cometidas. Por exemplo, ouvir música alta em casa pode fazer com que seus vizinhos te odeiem, e isso pode até valer a visita da polícia pedindo para que você ouça suas músicas com volume mais baixo, mas não terá efeito em sua vida profissional ou em sua pontuação de crédito social. Cidadãos com uma pontuação alta às vezes são elogiados publicamente e desfrutam de vantagens como esperar menos em filas de atendimento público e ganham descontos em produtos e serviços, como quartos de hotéis e até facilidades para empréstimos. Uma alta pontuação pode ainda ajudar a alugar um carro sem ter que fazer um pré pagamento, e até estar melhor ranqueado em sites de namoro. Cidadãos com um baixa pontuação podem ser envergonhados publicamente; para eles pode ser muito difícil ou impossível conseguir um emprego, um empréstimo ou comprar uma propriedade; eles podem ser colocados na lista negra de serviços como hotéis e até mesmo em viagens de avião.

Em 2018, a China envergonhou pessoas publicamente por serem “severamente desacreditadas” ao publicar seus nomes e delitos, que incluía tentar levar um isqueiro para o aeroporto e fumar no trem bala. De acordo com o documento, o sistema de dados, “permitir que pessoas confiáveis circulem com liberdade, enquanto cria dificuldades para que pessoas não confiáveis não possam sair de suas casas“. No final de junho de 2019, a China proibiu quase 27 milhões de pessoas de comprar passagens aéreas, e quase 6 milhões de pessoas de usar a rede ferroviária de alta velocidade. Durante a pandemia do coronavírus, dos chineses, a vigilância às pessoas foi tão grande, ao ponto de se instalar câmeras de vigilância dentro das casas das pessoas, ou à frente de suas portas, para se certificar de que estavam cumprindo as regras de quarentena.

Quando os ocidentais criticam o sistema chinês de disciplinamento social, uma resposta comum é argumentar que o Ocidente também tem sistemas em que as pessoas são vigiadas e sofrem penalidades; e que sistemas ocidentais de crédito social são obscuros e falhos. Há sim alguma verdade nessa resposta. Nós não somos totalmente cientes de nossa pontuação de crédito e nem como ela é calculada ou como pode ser usada. A maioria das pessoas não sabe disso, mas como consumidores, somos analisados e filtrados de forma a permitir realizar compras a crédito. Não há como optar por não ser avaliado – isso é imposto.

Kashmir Hill, uma repórter americana, solicitou seu arquivo à Sift, uma empresa americana que avalia consumidores (como o SPC/SERASA no Brasil), a análise dos seus créditos sociais. O arquivo de Hill consistia em 400 páginas com anos de pedidos de entrega do Yelp, mensagens que ela enviou no Airbnb, detalhes sobre seus dispositivos e muito mais. A Sift forneceu os dados pessoais a ela, conforme pedido, mas eles não forneceram uma explicação sobre como esses dados foram analisados para criar o perfil ou a pontuação de consumidor dela, nem contam a ela o impacto que a pontuação teve em sua vida. Os sistemas de pontuação social são inaceitáveis. Como cidadãos, temos o direito de conhecer as regras que governam nossas vidas. No entanto, é inegável que o Ocidente desfruta de mais liberdade e transparência do que a China, apesar de nossos déficits em governança (que devemos lutar para corrigir).

Nossos problemas e as deficiências dos outros são lições que devemos aprender sobre o poder que está ao nosso redor”.

Outra maneira pela qual a tecnologia pode exercer o poder, é estabelecendo as regras pelas quais vivemos e não nos permitindo muda-las. Em vez de as regras serem algo que exista de forma clara e transparente, elas estão cada vez mais sendo embutidas em código e aplicadas automaticamente, na forma de um termo de aceite. Então, em um futuro próximo, em vez de sermos advertidos ou multados por cometer alguma infração de trânsito, seu carro poderá simplesmente se recusar a por-se em movimento se você se sentar ao volante e estiver excedido seu limite de multas.

Em sociedades livres, sempre há alguma margem de manobra entre o que são as leis e o que é aplicado. As pessoas podem se safar de pequenas infrações, de vez em quando, porque em um bom funcionamento da sociedade, a maioria das pessoas fica feliz em seguir a maioria das regras, na maior parte do tempo. Permitindo que alguma margem de manobra deixe espaço para exceções que são difíceis de aplicar as regras; como por exemplo, usar a faixa de ônibus porque você teve que levar alguém ao hospital em uma situação de emergência médica. As flexibilidades também nos permitem ignorar leis desatualizadas, até mesmo revogá-las.

As leis aplicadas pela tecnologia não nos permitiriam qualquer exceções. Experimentar o poder da tecnologia é difícil, pois cada pequena regra, governamental e privada, aplicada por meio de um código, vai nos privar a liberdade. Mas a tecnologia não usa apenas o hard power para nos influenciar. A tecnologia também é um gênio a nos influenciar por meio soft power.

O Soft power da tecnologia

De certa forma, o soft power é mais aceitável do que o hard power porque é menos poderoso. Ele dá a sensação de não ser algo imposto. Mas o soft power pode ser tão duro e tão intrusivo quanto o hard power, permitindo que, quem detém o poder, obtenha cada vez mais o que querem. Além disso, o soft power costuma ser manipulador; nos obrigando a fazer algo pelo benefício de outros, sob o pretexto de que é para nosso próprio bem. Ele recruta nossa vontade contra nós mesmos. Sob a influência do soft power, adotamos comportamentos que prejudicam nossos interesses. O soft power manipulativo nos torna cúmplices de nossa própria vitimização. É o seu dedo rolando o seu feed de notícias, fazendo você perder seu tempo precioso. Mas você não ficaria preso à rolagem infinita, de plataformas como o Facebook, se eles não estivessem tentando convencê-lo de que se você não continuar deslizando o seu feed, estará perdendo notícias, informações e outros. Quando você tenta resistir ao fascínio da tecnologia, você está lutando contra um exército de técnicos altamente especializados, que tentam capturar sua atenção contra seus melhores interesses. A tecnologia constantemente nos seduz a fazer coisas que não faríamos de outra forma, que é doar o nosso tempo; de nos perdermos nos labirintos de vídeos do YouTube; passar horas em jogos estúpidos ou verificar nossos telefones centenas de vezes por dia.

  • Em 2010, em média, as pessoas olhavam para os telefones 1 vez a cada 8 minutos.
  • Em 2020, essa média caiu para 6 minutos.

Por meio de atraentes “cenouras”, a era digital trouxe novas maneiras de estar no mundo que nem sempre torna nossas vidas melhores. Além das formas técnicas de exercer o soft power, grande parte do poder da tecnologia reside nas narrativas, nas histórias que são contadas sobre nossos dados. A nova economia, baseada em dados, teve sucesso em normalizar certas formas de pensar. As big techs querem que você acredite que, se você não fez nada de errado, você não tem nenhuma razão para se opor ao fato de eles obterem seus dados. Quando questionado, durante uma entrevista, sobre, se os usuários devem compartilhar informações com o Google, como se fosse um “amigo de confiança“, o então CEO Eric Schmidt deu a famosa resposta: “Se você tem algo que não quer que ninguém saiba, talvez você não deveria estar fazendo isso“. Menos conhecida ainda, é uma situação que ele pediu ao Google para apagar algumas informações sobre ele – e seu pedido foi negado.

Perceba o padrão que se repete em todas as esferas: os poderosos desejam privacidade para si, mas não para os outros. O que Schmidt tentou fazer foi envergonhar as pessoas que estão (sensatamente) preocupadas com a privacidade. Ele insinuou que se você está preocupado com a privacidade, você deve ter algo a esconder, e se você tem algo a esconder, você não deveria ter feito aquilo. Porém a grande questão aqui é: A privacidade não é feita para esconder algo. É feita para nos proteger de possíveis transgressões, como criminosos que querem nos roubar.

Trata-se de um circulo vicioso de poder: usar conhecimento sobre nós, para se tornar ainda mais poderoso. As empresas também querem que você pense que tratar seus dados como uma mercadoria é necessário para tecnologia, e que a tecnologia digital é um progresso – mesmo que às vezes, possa parecer preocupantemente semelhante a algo imposto ou que se assemelhe a regressões políticas. E o mais importante: as big techs querem que você pense que as inovações que ela trazem para o mercado são inevitáveis.

‘É assim que é o progresso, e o progresso não pode ser interrompido’.

A narrativa da tecnologia progressista é inevitável, complacente e enganosa. Poder produz conhecimento, narrativas e a racionalidade que o favorecem e sustentam. As big techs querem que pensemos que elas são indispensáveis, inevitáveis e boas. Mas parte da tecnologia desenvolvida nas últimas décadas não contribuiu para o bem:

  • Alguns algoritmos estão endossando analogias sexistas – que ‘homem’ é para ‘médico’ o que ‘mulher’ é para ‘Enfermeira’;
  • ‘Homem’ está para ‘programador de computador’ assim como ‘mulher’ está para ‘dona de casa’, por exemplo.
  • Algoritmos rotulam o casamento de uma noiva branca como “noiva”, “mulher” e “casamento”, enquanto rotulam a fotografia de uma noiva do norte da Índia como “arte performática” e “traje”.

O Banco Mundial tem alertado que o Vale do Silício está piorando a desigualdade de renda. Mudanças tecnológicas que levam ao retrocesso social e político não são o tipo de mudanças que devemos estar perseguindo ou encorajando.

Nem todo progresso tecnológico conta como progresso. Além disso, nenhuma tecnologia é inevitável. Não havia nada na história, na natureza ou no destino que tornassem os carros e a gasolina inevitáveis, por exemplo; se enormes reservas de petróleo não tivessem sido descobertas nos Estados Unidos. Henry Ford não teria produzido o Modelo T e os carros elétricos poderiam ter se tornado muito mais populares do que os modelos à gasolina. E mesmo que as pessoas venham falando sobre carros voadores há décadas, eles podem nunca se tornar uma realidade; se não houver demanda, oferta e procura. Se uma peça de tecnologia é desenvolvida e comercializada, depende de uma série de variáveis relacionadas a preço, viabilidade e escolha humana. A História está repleta de projetos tecnológicos que foram abandonados.

Lembra do Google Glass? Em 2013, o Google começou a vender um protótipo de óculos montado com um minúsculo computador que incluía uma câmera de vídeo. Foi colocado à venda ao público em geral em maio de 2014. Foi um daqueles produtos que geraram entusiasmo. A revista Times nomeou-o uma das ‘Invenções do Ano’. Celebridades os experimentaram. O The New Yorker publicou um longo artigo sobre isso. Até os Simpsons fizeram um programa com o Google Glass – embora Homer os tenha chamado de ‘Oogle Goggles’. Apesar do grande alarido, em Janeiro de 2015, sua produção foi finalizada. (Em vez de admitir a derrota, o Google disse que o Glass foi ‘um passo’ de uma nova divisão do Google). Houve pelo menos dois motivos para o fracasso do Google Glass:

  • Primeiro, os óculos eram feios.
  • Em segundo lugar, e mais importante, eles eram assustadores. Eles foram banidos de bares, cinemas, cassinos e outros lugares que não gostavam da perspectiva de ter pessoas gravando umas às outras. As poucas pessoas que os experimentaram foram ridicularizadas como ‘Glassholes’ – evidência de como o público se sentiu desconfortável com esses artefatos.

O Google Glass não decolou porque as pessoas se sentiram desconfortáveis com relação à sua privacidade. Mas o Google é persistente. Em 2017 eles ressuscitaram o projeto, desta vez voltado para indústrias como serviços de manufatura, para ser utilizado pelos trabalhadores. E não seria surpresa se em algum momento o Google tente relançar o Glass novamente para o público em geral. Desde 2013, eles e outros intentam consistentemente e conscientemente contra a nossa privacidade. Mas devemos lembrar que a tecnologia, assim como outros, depende da nossa cooperação para o seu sucesso. Somos a melhor fonte de energia para as empresas de tecnologia.

O desenvolvimento tecnológico não é um fenômeno natural, como a gravidade ou evolução. A tecnologia não acontece conosco – nós a fazemos acontecer. Um Google Glass não vai aparecer para o mercado do nada. Isso não acontece por acidente. Cabe-nos, garantir que a tecnologia se ajuste aos nossos valores e melhore o nosso bem-estar. Que o progresso tecnológico é inevitável, isso é verdade; porque algumas formas de mudança tecnológica realmente vão acontecer; mas nenhuma tecnologia, em particular, é inevitável e a mudança nem sempre significa progresso. Mesmo depois que uma tecnologia é inventada, podemos escolher como usá-la e regulamenta-la. Uma narrativa mais verdadeira do que aquela favorecida pela tecnologia é que os desenvolvimentos tecnológicos cujo as consequências negativas superam seu impacto positivo, podem e devem ser revistas e até interrompidas. Em relação à nossa preocupação mais específica com a privacidade, uma narrativa mais precisa, do que a propagada pela tecnologia, é que, tratar os dados como uma mercadoria é uma forma das empresas ganharem dinheiro e não tem nada a ver com construir bons produtos; acumular dados é o meio pelo qual as instituições estão acumulando poder; as empresas de tecnologia podem e devem fazer o melhor para projetar o mundo online de uma forma que contribua para o bem-estar das pessoas; e temos muitas razões para nos opor a instituições que coletam e usam nossos dados como estão fazendo.

Entre esses motivos estão as instituições que não respeitam nossa autonomia, nosso direito de autogoverno, tanto como indivíduos e como sociedades. É aqui que o lado mais difícil do poder desempenha seu papel. A era digital, portanto agora tem sido caracterizada por instituições que fazem o que querem com nossos dados, sem escrúpulos, contornando nosso consentimento sempre que querem, pois acreditam que o seu poder as permitem se safar, fazendo conosco e com nossos dados o que eles querem. No mundo offline, esse tipo de comportamento seria chamado de roubo e coerção. O fato de não ter o mesmo nome no mundo online é mais uma prova do poder da tecnologia sobre narrativas. Se os funcionários dos correios lessem nossas cartas da maneira que o Gmail e outros aplicativos o fazem, eles iriam para a cadeia. O Geo-rastreamento, que antes era usado para os condenados, agora se tornou padrão nos smartphones. Todos os fabricantes de smartphones, operadoras de serviços móveis e  aplicativos que usam GPS/GSM, sabem onde você está e onde esteve. Que horas chegou, quanto tempo ficou e que horas saiu. A tecnologia encontrou maneiras palatáveis de fazer o que faz. A tecnologia explora nossos dados, rouba nossa atenção e destrói nossas democracias – mas faz com isso soe tão delicado aos nossos ouvidos, como se estivesse sendo feito para nosso próprio benefício, como parte da otimização da ‘experiência do usuário’. “Personalização” soa como tratamento VIP, até você perceber que é um termo usado para descrever técnicas únicas, projetadas para mexer com sua mente. Em vez de chamar as coisas por seus nomes próprios, a tecnologia nos encheu de eufemismos sobre os sistemas e as realidades digitais. Como George Orwell colocou, a linguagem política (e a linguagem da tecnologia é política) “A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez”.

  • As redes privadas de publicidade e vigilância são chamadas de ‘comunidades’,
  • Os cidadãos são ‘Usuários’,
  • O vício em telas é rotulado de ‘engajamento’,
  • Nossas informações mais sensíveis são consideradas “dados”,
  • Spyware é chamado de “cookies”,
  • Documentos que descrevem nossa falta de privacidade são intituladas “políticas de privacidade”, e
  • O que costumava ser considerado escuta telefônica, agora é a base da economia da Internet.

A tecnologia foi tão longe em nos seduzir por meio de palavras que até mesmo sequestrou a linguagem natural, adotando e criando novos signicados a elas. Essas palavras são principalmente usadas para descrever coisas que são opostas ao natural. Devemos desafiar as besteiras corporativas e reivindicar uma linguagem transparente. Temos que construir nossas próprias narrativas e usar de forma correta, as palavras que a tecnologia tenta camuflar ou evitar. Vamos falar sobre o que a tecnologia não quer que falemos. vamos falar, por exemplo, sobre como a tecnologia é ruim tratando-nos não como cidadãos, mas como peões em um jogo que não escolhemos jogar. A tecnologia está nos usando muito mais do que nós a ela.

Peões

Você é um peão, no jogo em que os cientistas de dados estão jogando. Os analistas de dados reúnem todas as informações que podem sobre você – nas mídia social e nas suas postagens, nos registros de tendências políticas, histórico de compras, marca e modelo do seu carro, informações sobre hipotecas, histórico de navegação, inferências sobre sua saúde e muito mais – e, em seguida, executam modelos para ver como eles podem afetam seu comportamento.

Não importa se você é uma pessoa simples ou se é um alto executivo – a sociedade é constituída por pessoas, e é nisso que as instituições de dados estão interessadas.

Os cursos mais avançados em Ciências de Dados, incluem tarefas como escolher uma pessoa aleatória do outro lado do mundo e aprender tudo o que pode sobre ela. Saber, por exemplo, se a pessoa analisada tem diabetes, se tem uma amante e outros. Essa pessoa aleatório não tem a menor idéia de estar sendo objeto de em estudo. Neste momento, que você lê isso, alguém pode estar estudando você. De certa forma, cada um de nós tem inúmeros clones de dados vivendo nos computadores de alguma grande empresa, que está fazendo experimentos conosco, com diferentes graus de personalização.

Os cientistas de dados mexem com nossos avatares virtuais. Eles experimentam coisas novas e veem o que acontece. Eles aprendem o que nos faz contentes, clicar, comprar, pesquisar, votar. Depois que aprendem a manipular nossos clones digitais com sucesso, eles tentam seus truques em pessoas reais. Esses aspirantes a deuses da tecnologia gostariam de traçar o perfil de cada pessoa em uma sociedade para executar uma simulação dessa comunidade. Se você conhece bem a personalidade das pessoas, pode criar cópias de deles online e experimentar diferentes intervenções, por exemplo: qual a correta mensagem política que funciona para você. Através da manipulação de informações, eles podem influenciar eleições, inspirar uma insurgência, colocar as pessoas umas contra as outras, distorcer suas realidades até que elas não consigam mais dizer o que é verdade.

Isso é exatamente o que Cambridge Analytica fez para influenciar campanhas políticas. Primeiro, cientistas de dados desenvolveram um aplicativo chamado This Is Your Digital Life e conseguiram 270.000 usuários do Facebook para baixá-lo. Eles pagavam a cada pessoa US$ 1 a US$ 2 para preencher uma pesquisa psicométrica que ajudou os analistas de dados a determinar tipos padrões de personalidades. Depois o aplicativo faria o download de todos os dados do Facebook dos usuários, para fazer um minucioso estudo social, porque quando as pessoas rolam o feed de notícias, curtindo e comentando, tudo é vigiado e quantificando; cada coisinha que é feita.

Então, o aplicativo da Cambridge Analytica também baixou dados dos amigos dos 270.000 participantes do Facebook, sem o conhecimento ou consentimento destes últimos. Embora os cientistas de dados não tivessem as características psicológicas dos amigos dessas pessoas  (porque eles não responderam a pesquisa psicométrica), eles poderiam usar seus “likes” no Facebook para traçar um perfil, com base em estudos feitos com dados de pessoas que tinham respondido à pesquisa.

Em resumo, Cambridge Analytica enganou 270.000 pessoas para trair seus amigos – de vários países, em todo o mundo – por cerca de um dólar. Embora os participantes tenham respondido de bom grado à pesquisa, a maioria das pessoas provavelmente não leram todos os termos e condições, o que, em todo caso, não incluia um alerta sobre como seus dados seriam usados para tentar influenciar, por exemplo, as eleições. Usando pessoas online conexões para baixar o máximo de dados possível, a empresa colocou as mãos nos dados de cerca de 87 milhões de usuários do Facebook. Eles também aproveitaram para pegar dados extras de censos, dados correlatos e outros. Com todas essas informações, a Cambridge Analytica construiu uma ferramenta de guerra psicológica para influenciar a política ao redor do mundo – uma ilustração de como o conhecimento é poder. A Cambridge Analytica foi fundo na vida e na mente das pessoas. Os dados pessoais que eles se apropriaram eram incrivelmente sensíveis. Incluía mensagens “privadas”, por exemplo. E o que os cientistas de dados fizeram com esses dados foi aprender sobre as impressões pessoais. ‘Dados de milhões de pessoas’ parecem muito impessoais e abstratos. Mas cada uma dessas pessoas é tão real quanto você. Se você, como eu, fazia parte do Facebook na época deste escândalo, seus dados podem ter sido incluídos nesses milhões.

Christopher Wylie é um consultor de dados que trabalhou para a Cambridge Analytica antes de se tornar um dos denunciantes. Em seu livro Mindf * ck, ele descreve uma demonstração da ferramenta da empresa dada a Steve Bannon, que mais tarde se tornaria executivo-chefe da campanha de Donald Trump. Um cientista de dados pediu a Bannon que lhe desse um nome e um estado nos Estados Unidos. Uma simples consulta fez a vida de uma pessoa aparecem na tela. Se fosse o seu nome que estivesse na pesquisa, este grupo de cientistas de dados teria estudado sua vida por completo. É assim que você se parece, é aqui que você mora, esses são seus amigos mais próximos, é aqui que você trabalha, este é o carro que você dirige. Você votou neste candidato na última eleição, você tem essa hipoteca, você tem esse problema de saúde, você odeia seu trabalho, você se preocupa mais sobre esta questão política, e você está pensando em deixar seu/sua parceiro(a).

Apenas para ter certeza de que estavam fazendo tudo certo, os cientistas de dados telefonaram para algumas pessoas que estavam ‘vigiando’. Sob o pretexto de serem pesquisadores da Universidade de Cambridge conduzindo uma pesquisa, eles perguntaram às vítimas sobre seus pontos de vista e estilo de vida e puderam confirmaram o que eles já sabiam: haviam projetado uma ferramenta para entrar na mente de quase qualquer pessoa no mundo. Haviam hackeado o sistema político; Encontraram uma maneira de coletar e analisar tantos dados confidenciais, que poderiam construir os perfis de campanhas políticas mais personalizadas da história.

Depois que os cientistas de dados da Cambridge Analytica coletaram todos os dados que puderam encontrar, eles categorizaram os dados de forma muito específica, de acordo com os cinco traços de personalidade:

  • Quão aberto a novas experiências você é;
  • Se você prefere planejar ao invés executar;
  • O quanto você é extrovertido ou introvertido;
  • Até que ponto você é pró-social; e
  • Quão propenso você está a experimentar emoções negativas como raiva e medo.

A segunda etapa foi aplicar seus algoritmos preditivos ao perfil das pessoas e calcular em uma escala de 0 a 100 por cento de probabilidade, das pessoas votarem em um candidato ou se envolverem com certos ideais políticos.

A terceira etapa foi descobrir onde as pessoas costumavam ir para que pudessem chegar até elas. Se assistiam muita TV ou quanto tempo gastavam no YouTube, ou nas plataformas de mídias sociais, etc.

Sim. Os Cientistas de dados da Cambridge Analytica estudaram a fundo a vida das pessoas. Seguindo a lógica de hackers, eles procuraram brechas e vulnerabilidades nas mentes das pessoas. Identificaram os mais suscetíveis a serem influenciados, que tendiam a confiar ou desconfiar dos outros; escolheram pessoas que exibem o que é chamado de traços de “tríade sombria” – narcisismo, maquiavelismo (egoísmo implacável), e psicopatia – e as direcionavam, com o objetivo expresso de provocar raiva. Eles direcionavam essas pessoas para blogs que zombavam de pessoas como eles para que se sentissem atacados. Criaram páginas falsas nas redes sociais e chegaram a organizar reuniões presenciais, onde funcionários da Cambridge Analytica compareceriam disfarçados.

Pelo menos dois elementos tornaram as campanhas digitais da Cambridge Analytica particularmente perigosas:

  • Primeiro, eles mostraram conteúdo dramaticamente diferente para pessoas diferentes. O conteúdo que estava sendo discutido e examinado na mídia não era o que os eleitores estavam vendo online. As pessoas foram submetidas a conteúdos projetados para confundir, não para serem discutidos racionalmente; induzindo as pessoas a se identificar ou odiar um candidato específico.
  • Um segundo elemento que tornou Cambridge Analytica perigosa era que suas campanhas não pareciam como campanhas. Eles não pareciam propaganda. Às vezes, pareciam-se como artigos ou notícias. Outras vezes, pareciam conteúdo criado por pessoas comuns. Ninguém sabia de onde vinham e como eram esses movimentos populares; que na verdade eram, campanhas políticas cuidadosamente orquestradas – que estavam arrastando pessoas para campos polarizados.

Em uma reportagem do Canal 4 americano, eles transmitiram imagens em que Mark Turnbull, então diretor-gerente da Cambridge Analytica, disse: “acabamos de colocar informações na corrente sanguínea da internet […] e depois vamos ver o que acontece, dar um empurrãozinho de vez em quando… como um controle remoto. Isto tem que acontecer sem que ninguém pense “isso é propaganda”, porque no momento que as pessoas pensam que é […], a próxima pergunta é: “Quem fez isso?”

O repertório de empreendimentos de guerra psicológica e informacional da Cambridge Analytica era vasto, e não conhecia limites morais. Incluía notícias falsas direcionadas, disseminação do medo (que chegou a mostrar imagens extremamente sangrentas de tortura e assassinatos reais), personificação e, acredite nas palavras de Alexander Nix (CEO) e Mark Turnbull nas filmagens do Channel 4, eles também estavam dispostos a se envolver em subornos e armadilhas usando profissionais do sexo e muito mais. Esta era a Cambridge Analytica. Embora já tenha desaparecido, muitas das pessoas que a constituíram passaram a fundar novas empresas de dados. Cambridge Analytica é apenas um exemplo de algo que qualquer pessoa com habilidades em dados podem fazer.

Em 2018, a Tactical Tech, uma organização não governamental com sede em Berlim, identificou mais de 300 organizações em todo o mundo trabalhando com partidos políticos por meio de campanha de dados. A Rússia é notória por suas tentativas de se intrometer na política de países estrangeiros e semear a discórdia entre os cidadãos por meio de interferência on-line. Em 2016, duas páginas do Facebook controlada por russos organizaram protestos e contra-protestos no Texas. O ‘Pare A islamização do Texas‘, foi orquestrado por um grupo do Facebook com mais de 250.000 seguidores chamado Coração do Texas e operado por uma fábrica de trolls, a Internet Research Agency, na Rússia. O contraprotesto foi também organizado por um grupo do Facebook controlado pela Rússia, United Muslims of America, que tinha mais de 300.000 seguidores.

Mesmo que Cambridge Analytica tenha desaparecido, as democracias ainda estão em perigo. O poder da Cambridge Analytica veio de nossos dados. O poder das big techs vem de nossos dados: daquele questionário que você preencheu para ver com qual artista de cinema você se parece mais (esses questionários são elaborados com o único propósito de coletar seus dados); daquele aplicativo duvidoso que você baixou e que pediu a você para acessar seus contatos. Os cientistas de dados estão brincando com nossas vidas como se fossem deuses, agarrando-se a tudo o que é seu e que eles veem como se fossem deles. Eles transformaram rapidamente as vidas de muitas pessoas, mexeram com a nossa capacidade de nos concentrar em uma coisa, e ameaçaram democracias. Enquanto eles tiverem acesso aos nossos dados, continuaremos a ser seus fantoches. A única maneira de retomar o controle de nossa autonomia, nossa capacidade de auto governar, é reivindicar a nossa privacidade.

Autonomia é a capacidade e o direito de se governar.

Como ser humano adulto, você é capaz de decidir quais são seus valores – que tipo de vida você deseja levar – e de agir de acordo com esses valores. Quando você toma uma decisão autônoma, você a possui totalmente. É o tipo de decisão que expressa suas convicções mais profundas, uma escolha que você pode endossar. Os indivíduos têm um grande interesse em que sua autonomia seja respeitada pelos outros. Queremos que outros reconheçam e honrem nossa capacidade de conduzir nossas vidas da maneira que acharmos mais adequado.

Em democracias, com muito poucos exceções, ninguém, nem mesmo o governo, pode dizer o que pensar, o que dizer, o que fazer, com quem viver ou se associar ou como gastar seu tempo. Você decide todas essas coisas e muito mais. Se você não tem autonomia, você não tem liberdade, porque sua vida é controlada por terceiros. Autonomia é ter poder sobre sua própria vida. A autonomia é tão importante para o bem-estar individual e social que qualquer interferência nela, deve ter uma justificativa muito sólida – como evitar danos aos outros. Interferir na autonomia das pessoas para aumentar seus lucros não é justificativa.

Privacidade, Autonomia e Liberdade

Privacidade e autonomia estão relacionadas porque as perdas de privacidade tornam mais fácil para outras pessoas interferirem na sua vida. Ser observado o tempo todo interfere na paz de espírito necessária para tomar decisões autônomas. Quando a lenda do balé Rudolf Nureyev decidiu desertar da União Soviética durante uma visita à França em 1961, ele foi obrigado pela lei francesa a passar pelo menos cinco minutos em um quarto sozinho antes de assinar um pedido de asilo político, protegendo-o assim das Autoridades russas que estavam tentando interferir em sua escolha. Você precisa de tempo e espaço livre de pressões externas para decidir sobre o que você quer para si mesmo e para ter a liberdade para realizar seus desejos. Pense em como as cabines de votação são projetadas para protegê-lo de pessoas e pressões externas – se ninguém pode ver em quem você vota, ninguém pode forçá-lo a votar contra sua vontade. Quando as pessoas sabem que estão sendo observadas e que tudo o que fazem pode ter consequências ruins para eles, tendem a se autocensurar.

Quando você não pesquisa um termo por medo de como outras pessoas possam usar informações sobre você, sua autonomia e liberdade estão sendo limitadas. Depois que Edward Snowden revelou a extensão da vigilância do governo, pesquisas na Wikipedia relacionadas ao terrorismo caíram quase 30%, ilustrando o chamado “efeito inibidor” da vigilância. Se você não percebe que o conteúdo que você está acessando on-line é mais um reflexo de quem os editores de publicidade ou cientistas de dados pensam que você é; ao contrário de um reflexo do mundo exterior, será mais difícil para você agir racionalmente e de acordo aos seus próprios valores.

A autonomia requer que você esteja relativamente bem informado sobre o contexto em que vive. Quando outros manipulam suas crenças sobre o mundo e fazem você acreditar em algo falso que influencia como você se sente e vive, estão interferindo na sua autonomia. A tecnologia tem um histórico de se importar pouco ou nada com nossa autonomia. Muitas empresas de tecnologia não estão interessadas no que queremos. Elas não fazem produtos para nos ajudar a viver a vida que queremos viver ou se tornar as pessoas que queremos ser. Eles fazem produtos que os ajudarão a atingir seus objetivos – produtos que extraem de nós o máximo de dados possível para seu benefício. Eles fazem aplicativos que nos viciam. Eles nos fazem assinar os termos e condições para nos informar que temos poucos ou nenhum direito contra eles. Muitas empresas tirariam de bom grado toda a nossa liberdade, sem qualquer pudor. Tal desrespeito corporativo à autonomia, é um novo tipo de autoritarismo brando; um Soft Power.

Não é exagero. Google afirma estar criando Deus.

  • Primeiro, ele quer ser onisciente. Ele se esforça para coletar o máximo de dados possível para conhecer a todos.
  • Em segundo lugar, quer ser onipresente. Quer ser a plataforma por meio da qual nos comunicamos com outras pessoas, assistimos ao conteúdo online, pesquise online, encontremos nosso caminho em uma cidade, acessemos serviços de saúde e muito mais (em parte porque esse é a forma que eles podes coletar mais dados).
  • Terceiro, ele quer ser onipotente. Gostaria de poder levar o que quer (ou seja, nossos dados), sob suas condições, e transformar o mundo a seu favor.

Para tanto, o Google gasta mais dinheiro do que qualquer outra empresa no mundo, em lobby. Eric Schmidt deixou bem claro que o Google gostaria de assumir o controle de sua autonomia: “O objetivo é permitir que os usuários do Google possam fazer […] perguntas como “O que devo fazer amanhã?” e “Que trabalho devo aceitar?

Em 2010, ele foi ainda mais longe: “Na verdade, acho que a maioria das pessoas não quer Google para responder às suas perguntas. Eles querem que o Google diga o que eles devem fazer a seguir.”

O Google pode dizer que suas recomendações são baseadas em seus valores, porque conhece você. Lembre-se: empresas como o Google têm um conflito de interesses, porque o que é melhor para você e para a sociedade provavelmente não é o melhor para os negócios do Google. Este desalinhamento de interesses, junto a um terrível histórico de mau comportamento das empresas, nos dão motivos mais do que suficientes para não confiarmos a eles nossa autonomia. Mesmo que empresas como o Google fossem mais confiáveis, Sua autonomia ainda é mais importante. Delegá-la a qualquer pessoa, exceto você mesmo, seria um erro. Você pode pensar que não há nada com que se preocupar, porque você sempre pode desobedecer Conselhos do Google. Mesmo que o Google Maps recomende que você siga um caminho, você sempre pode desconsiderá-lo e seguir por um caminho diferente. No entanto, não devemos subestimar a influência da tecnologia sobre nós. Junto com o projeto das empresas de tecnologia, elas também estão projetando seus usuários, influenciando nosso comportamento.

Como Winston Churchill citou: “nós moldamos nossos edifícios e, depois, nossos edifícios moldam a nós”.

Uma das razões pelas quais as empresas de tecnologia estão ficando tão boas em prever nosso comportamento é porque elas estão parcialmente nós moldando. Se uma empresa tem controle sobre uma parte significativa de sua vida por meio de smartphone e laptop, e influencia sua vida ao escolher o conteúdo que você pode acessar e controlar as plataformas que você usa para se conectar com outras pessoas, fazer compras e trabalhar, então não é difícil prever o que você fará a seguir; afinal, ela está fornecendo as opções e apontando o caminho e criando um ambiente controlado para você, como The Truman Show (se você ainda não assistiu ao filme, eu recomendo).

O fato de sua autonomia estar sendo ameaçada pela tecnologia deveria preocupá-lo.

Você deve ser mestre de sua própria vida. Mesmo se você tivesse total autonomia, você tem razão para desejar que outros em sua sociedade também o tenham. O autogoverno de uma política depende de indivíduos com autonomia. Para uma democracia ser uma democracia, as pessoas precisam ter poder sobre suas próprias vidas. Uma democracia em que as pessoas não são autônomas é uma farsa. Pessoas que têm pouca autonomia são fracas e serão facilmente influenciadas a votar de uma forma que não reflita suas convicções mais profundas, mas sim as convicções de atores poderosos que manipulam suas percepções e crenças.

Você precisa proteger sua privacidade para que possamos reconquistar nossa autonomia e liberdade como sociedade. Mesmo que você não tenha uma opinião forte sobre seus próprios dados pessoais, sua família e amigos, seus companheiros cidadãos, seus semelhantes em todo o mundo – precisam que você a mantenha segura, porque a privacidade é um esforço coletivo.

Privacidade coletiva

Privacidade não diz respeito apenas a você. Sim. Seus dados são “pessoais” e isso parece implicar que você é a única parte interessada quando se trata em compartilhá-lo. Mas isso é um mal-entendido. A privacidade é tão coletiva quanto é pessoal. Como mostra o caso Cambridge Analytica, quando você expõe sua privacidade, você nos coloca todos em risco. A privacidade se assemelha a questões ecológicas e outros problemas de ação coletiva. Não importa o quanto você tente minimizar sua própria pegada de carbono, se os outros não fizerem a sua parte, você também sofrerá consequências do aquecimento global. Estamos juntos nisso e precisamos de pessoas suficientes para remar na mesma direção para fazer as coisas acontecerem. A natureza coletiva da privacidade tem implicações profundas em como pensamos, sobre os chamados dados pessoais. Tornou-se moda defender a visão de que os dados pessoais devem ser tratados como propriedade, que devemos permitir que as pessoas vendam ou negociem seus próprios dados. Empresas que permitem que você seja o administrador de seus dados, estão crescendo rapidamente. Dado que as sociedades capitalistas são altamente respeitadoras da propriedade do setor privado, é intuitivo pensar que honrar os dados pessoais como propriedade equivale a ser respeitoso com a privacidade – mas não é.

Vamos imaginar que um amigo (ou talvez um inimigo) dê a você um kit de DNA doméstico como um ‘presente’. Esses kits estão sendo vendido por cerca de £ 100. Ao enviar sua amostra de saliva pelo correio, você está cedendo a maioria ou todos os seus direitos para suas informações genéticas. Isso significa que empresas como a Ancestry podem analisar, vender e comunicar suas informações genéticas como eles quiserem. Não ter privacidade genética pode ser ruim para você. Para muitos tipos de seguro, você é obrigado a relatar os resultados do teste genético, e relatar o teste pode resultar em você ter a cobertura do plano de saúde negada, ou ter que pagar valores mais elevados. Talvez você esteja curioso para saber seu gene ancestral; ou talvez você tenha motivos mais sérios para querer saber mais sobre seus genes. Mas e quanto a sua família? Seus pais, irmãos e filhos podem não gostar de ter sua privacidade genética exposta por aí. Não há como saber como será a lei daqui a duas ou três décadas, e não há maneira de saber o que pode nos ser inferido a partir da informação genética. Seus netos podem ter oportunidades negadas no futuro por causa de seu teste genético, e eles não consentiram com a sua doação ou venda de seus dados genéticos. Mesmo que seu DNA faça de você quem você é, você compartilha a maior parte de sua composição genética com os outros, incluindo parentes distantes. A proporção de seus genes que são específicos para você é de cerca de 0,1 por cento. Pense desta forma: uma versão impressa de seus genes preencheria cerca de 262.000 páginas, mas apenas 250 a 500 páginas seriam de informações exclusivamente suas. Como as semelhanças e diferenças entre os nossos genes permitem que sejam feitas inferências, não há como dizer de antemão como o seu DNA pode ser usado. Na melhor das hipóteses, seu DNA pode ajudar a detectar um criminoso perigoso. Foi assim que o Golden State Killer, um assassino em série e estuprador, foi pego em Califórnia em 2018. A polícia carregou o DNA que havia adquirido na cena do crime para o GEDmatch, um banco de dados online gratuito que inclui dados de testes comerciais. A consulta revelou primos terceiros do criminoso, cujas identidades levaram as autoridades ao suspeito. Você pode pensar que isso é uma boa notícia. Ninguém em sã consciência quer assassinos em série andando por aí. Mas nunca devemos permitir que uma tecnologia funcione descontroladamente com base no melhor cenário. Tecnologias podem ser usadas de muitas maneiras, e as melhores práticas raramente são as únicas empregadas. Bancos de dados Genéticos podem ser usados para identificar dissidentes políticos, denunciantes e manifestantes em países autoritários. Até mesmo países democráticos podem usar bancos de dados comerciais para inferir a nacionalidade de migrantes e deportá-los. Combinar uma amostra de DNA anônima com alguma outra informação – por exemplo, a de alguém, com idade aproximada – pode ser o suficiente para limitar a identidade dessa pessoa a menos de vinte pessoas. Em 2018, tal busca poderia permitir a identificação de 60 por cento dos americanos brancos – mesmo que nunca tivessem fornecido seu próprio DNA a um banco de dados de ancestralidade. Quanto mais pessoas continuarem a divulgar suas informações genéticas, mais viável será identificar qualquer pessoa no mundo. Se tudo funcionar da maneira como deveria – mas não é assim que acontece. Os testes genéticos podem ter uma alta taxa de falsos positivos. Uma coisa é usar o DNA como suporte a evidências contra alguém que é considerado suspeito com base em outras evidências. As evidências de DNA parecem ser irrefutáveis. É intuitivo pensar que se o DNA de alguém for encontrado na cena do crime, essa pessoa tem que ser o criminoso. Não é simples assim. Existem muitas maneiras pelas quais o DNA pode chegar à cena de um crime. Na busca por um criminoso apelidado de o Fantasma de Heilbronn, o DNA de alguém foi encontrado em mais de quarenta cenas de crimes na Europa. Apesar disso, o DNA em questão, era de um operário de fábrica que fez os testes de cotonetes, usados pela polícia que contaminou seu teste, fazendo-o se passar por outra pessoa. A contaminação genética é muito fácil de acontecer. Outras vezes, os testes de DNA são trocados acidentalmente com o de outra pessoa. Na maioria das vezes, os dados genéticos são difíceis de ler. Procurando por semelhanças entre dois diferentes amostras genéticas envolvem interpretação subjetiva. Os erros ainda são grandes.

Você pode ser completamente inocente de um crime e ainda assim ser transformado em suspeito por meio de um parente tendo feito um teste de DNA. Foi assim que Michael Usry se tornou um suspeito de assassinato. Seu pai havia doado seu DNA para um projeto de genealogia. Embora o DNA de seu pai fosse semelhante ao encontrado na cena do crime, felizmente Usry não era. Depois de uma espera de trinta e três dias que deve ter parecido muito mais longa, Usry foi liberado e inocentado. Nem todo mundo tem esta sorte. Existem muitos casos de pessoas que foram condenadas injustamente com base em um teste de DNA, e ninguém sabe quantos casos existem. De acordo com o Registro Nacional de Exonerações dos Estados Unidos, evidências forenses falsas ou enganosas, contribuem em 24% de todas as condenações ilícitas no país. Assim como estamos conectados uns aos outros por meio de nossa composição genética, também estamos ligados uns aos outros em inúmeras formas invisíveis que nos tornam vulneráveis aos deslizes de privacidade uns dos outros. Se você expõe informações sobre onde você mora, você está expondo sua família e vizinhos. Se você der acesso aos números de telefone da sua agenda do celular a um aplicativo, você está expondo seus contatos. Se você divulgar informações sobre sua psicologia, você está expondo outras pessoas que compartilham essas características psicológicas. Você e eu podemos nunca nos conhecer, e talvez nunca nos encontremos no futuro, mas se compartilharmos traços psicológicos suficientes e você doar seus dados para empresas como Cambridge Analytica, você também doará parte da minha privacidade. Já que estamos entrelaçados de maneiras que nos tornam vulneráveis uns aos outros, somos responsáveis pela privacidade dos outros. Nossa interdependência em questões de privacidade implica que nenhum indivíduo tem autoridade moral para vender seus dados. Não possuímos dados pessoais como possuímos propriedade, porque nossos dados pessoais contêm o dados pessoais de terceiros.

Seus dados pessoais não são apenas seus.

A privacidade é coletiva em pelo menos duas maneiras. Não são só os seus dados de privacidade que podem facilitar violações do direito à privacidade de outras pessoas. São também as consequências da perda de privacidade que poderemos experimentar coletivamente. Uma cultura de exposição prejudica a sociedade. Fere o tecido social, ameaça segurança nacional, permite a discriminação e põe em risco a democracia.

Viver em uma cultura em que tudo o que você faz ou diz pode ser transmitido para milhões de outras pessoas coloca um considerável pressão sobre as pessoas. Sentir que nunca podemos cometer um erro em público quando nossos espaços privados diminuem, coloca um grande peso em nossos ombros. Quase tudo que você faz é potencialmente público. Os seres humanos simplesmente não são o tipo de criatura que pode prosperar em aquários. Quando confiamos que os outros não vão transmitir o que dizemos, é mais provável que sejamos sinceros, ousados e inovadores.

Não há intimidade sem privacidade.

Relacionamentos que não podem contar com o escudo da confidencialidade – seja porque não confiamos nos outros ou porque não confiamos nas tecnologias que usamos para nos comunicar e interagir com outras pessoas – tendem a ser mais superficiais. Uma cultura de privacidade é necessária para desfrutar conversas íntimas com outras pessoas, debates francos em ambientes fechados, como casas e salas de aula e estabelecer os laços sobre os quais as sociedades que funcionam bem se baseiam. Estar em um mundo em que os dados são constantemente transformados em armas, causa a sensação de estarmos perpetuamente ameaçados e em constante desconfiança. Esse medo gera conformidade e silêncio. Quando se está em uma aula ou palestra em um contexto em que tudo está sendo gravado ou transmitido ao vivo on-line, muitas vezes é possível notar as pessoas evitando as câmeras e até mesmo, de fazer alguns comentários controversos. Desde que os julgamentos começaram a ser gravados, há menos camaradagem nos tribunais e mais silêncio, isso notado no mundo todo. Quando a vigilância está em toda parte, torna-se mais seguro ficar quieto ou aceitar as opiniões que outros aceitam. Mas a sociedade progride ouvindo os argumentos daqueles que são críticos. A falta de privacidade também inflige danos à sociedade quando os dados pessoais são usados para fins de propaganda personalizada e notícias falsas. Quando agentes maliciosos divulgam notícias falsas, um dos objetivos é ajudar um determinado candidato a ganhar um corrida eleitoral. Mas muitas vezes seu objetivo final é simplesmente semear a discórdia em uma sociedade. Como tática de guerrilha, o “dividir para conquistar” é uma estratégia política muito antiga que está sendo renovada através das redes sociais. Ficamos divididos ao longo do linhas de nossos dados pessoais, e somos conquistados por meio de propaganda personalizada. Todos estão vulneráveis à manipulação porque ninguém tem acesso imediato às informações. Você não pode ser uma testemunha em primeira mão de tudo o que acontece relevante no seu país e em todo o mundo. Você aprende sobre candidatos e eventos políticos principalmente por meio de suas telas. Mas muitas vezes você não escolhe suas fontes. Você não vai procurá-los – eles vêm atrás de você. Eles estouram em seus feeds do Twitter ou Facebook. E embora eles possam parecer como por magia ou coincidência, empresas como o Facebook estão fazendo a curadoria desse conteúdo para você. Eles estão vendendo sua atenção a atores desconhecidos que querem influenciá-lo. Se você e eu recebermos informações contraditórias sobre um candidato e você não conseguir ver as informações que eu foram expostos, e não consigo ver as informações às quais você foi exposto, é provável que quando falarmos sobre aquele candidato, pensaremos uns nos outros como estúpidos, insanos ou ambos, ao invés de perceber que estamos experimentando a realidade por meio de filtros muito diferentes que foram colocados em prática especificamente para nós por pessoas que querem que nos odiemos. Quando não podemos ver uma realidade comum, a sociedade se divide, fica polarizada, e os bandidos ganham. Sociedades polarizadas são mais frágeis. A cooperação torna-se difícil, e resolver problemas que requerem ação coletiva torna-se impossível. Quando cada um de nós está preso em um gueto de informações, não há como interagir de forma construtiva.

Outra forma pela qual os agentes maliciosos disseminam a discórdia online é cultivando o negativo emocional na população. Quanto mais temos medo e raiva, mais desconfiados seremos dos outros, menos racionais serão nossas decisões e pior funcionarão nossas sociedades. O poder que a privacidade nos concede coletivamente como cidadãos é necessário para a democracia – para que possamos votar de acordo com nossas crenças e sem pressão indevida, para que protestemos anonimamente sem medo de repercussões, ter liberdade de associação, falar o que pensamos, ler o que temos curiosidade. Se vivemos em uma democracia, a maior parte do poder precisa estar com o povo. E quem tem o os dados têm o poder. Se a maior parte do poder estiver nas empresas, teremos uma plutocracia, uma sociedade governado pelos ricos. Se a maior parte do poder estiver com o estado, teremos algum tipo de autoritarismo. Para que o poder dos governos seja legítimo, deve vir do consentimento das pessoas – não de nossos dados. A democracia não é um dado adquirido. É algo pelo qual temos que lutar todos os dias. E se pararmos de construir as condições em que ela prospera, a democracia não mais existirá. Privacidade é importante porque dá poder às pessoas. A privacidade é um bem público, e defendê-la é nosso dever cívico.

Por que democracia?

A democracia se refere a um sistema de governo no qual o poder soberano está investido no povo. A democracia aspira que os iguais sociais se governem e alcancem uma ordem social relativamente justa sem ditadores ou autocráticos. Talvez algumas décadas atrás, teria sido o suficiente para argumentar que precisamos de privacidade para sustentar as democracias. Mas hoje em dia a democracia não está a altura de sua popularidade. Apenas 1/3 dos americanos com menos de trinta e cinco anos diz que é vital viver em uma democracia, e a parcela que acolheria um governo militar aumentou de 7% 1995 para 18% em 2017. Em todo o mundo, as liberdades civis e os direitos políticos diminuíram nos últimos doze anos. Em 2017, apenas 35 países melhoraram suas economias, enquanto 71 as diminuíram.

O The Economist Intelligence Unit descreveu 2019 como “um ano de retrocessos democráticos“, com a média de pontuação global para a democracia em seu nível mais baixo desde 2006 (quando o Índice de Democracia foi produzido pela primeira vez). Portanto, é necessário argumentar, que ainda deve-se lutar pela democracia. Ainda que seu atual presidente ou primeiro-ministro não seja quem você deseje. Mesmo que o atual governo ou governos anteriores (ou ambos) possam ter arruinado seu país. Mesmo que você se sinta excluído do processo político. Mesmo que você não se sinta representado pelos políticos locais. Mesmo se você suspeitar que sua sociedade foi hackeada. Mesmo que você não confie nos concidadãos. Mesmo que você ainda tenha se decepcionado com a democracia, você deve trabalhar para melhorá-la, ao invés de livrar-se dela, porque é o sistema que mais adequadamente protege os direitos fundamentais de todos, incluindo você. “Ninguém finge que a democracia é perfeita ou onisciente“, disse Winston Churchill em uma frase famosa em 1947. ‘Na verdade, foi dito que a democracia é a pior forma de governo – tirando todas as outras.’ A democracia não é um grande sistema. Na melhor das hipóteses, é confuso, dolorosamente lento e resistente a mudanças. Requer compromissos, de modo que mais frequentemente do que ninguém, consegue o que quer, e todos acabam um tanto quanto insatisfeitos. Na pior das hipóteses, o sistema é cooptado por um punhado de pessoas ricas que escrevem as regras da sociedade para se beneficiar às custas de todos os outros. Podemos concordar que a democracia não é o paraíso na terra. Mas não há vantagem alguma em nenhum outro sistema político. A democracia obriga os políticos a levar em consideração os interesses e as opiniões da maioria das pessoas. Os políticos dependem do nosso apoio para permanecer no poder, o que os obriga a tentar manter um maioria da população razoavelmente feliz. Que a democracia envolve muito mais pessoas do que outras formas de governo lhe dão uma chance melhor de tomar melhores decisões, uma vez que se pode aproveitar muitas fontes de informação e pontos de vista. As democracias tendem a ser mais prósperas. Elas também tendem a ser mais pacíficas, tanto dentro de suas fronteiras quanto com respeito a outros países. Karl Popper nos lembrou que as democracias são a melhor maneira de se livrar de governos ruins sem derramamento de sangue e de implementação de reformas sem violência.

No entanto, muitos dos males que podem ser encontrados nas sociedades autoritárias podem ser encontrados nas democracias. Se você procurar casos de abusos de poder e injustiça, vai encontrar.

George Orwell argumentou que “o melhor trunfo da democracia é o sentimento de segurança de que os seus cidadãos podem desfrutar“.

Você pode falar sobre política com seus amigos, sem temer por você mesmo. Ter certeza de que ninguém vai puni-lo, a menos que você tenha infringido a lei e sabendo que “a lei está acima do Estado“. Posso falar e escrever estas coisas, desafiando os poderosos atores da nossa sociedade, sem medo; e você, por sua vez, é capaz de ler, pensar e tomar suas decisões, baseado em suas conclusões, porque vivemos em liberdade. Para que seus direitos, em particular, sejam garantidos, a democracia deve ser soberana. Caso contrário, arriscamos a ter, o que John Stuart Mill chamou de “a tirania da maioria“.

A maioria pode ser opressora em relação a uma minoria, como um autocrata. A soberania da democracia permite liberdade aos cidadãos, enquanto certifica que os direitos de todos são respeitados. A democracia impõe limites necessários para que cada um possa perseguir ideais, sem interferir uns com os outros. Se você é um cidadão comum, viver em uma democracia é sua melhor chance de ter mais autonomia. Quando a democracia é negligenciada, ela pode ser destruída.

As democracias nem sempre morrem com um impacto violento – elas também podem morrer pelas mãos de líderes eleitos. Hitler na Alemanha e Chávez na Venezuela são exemplos notórios. Jonathan Wolff argumentou que o primeiro passo para a destruição da democracia é priorizar a vontade da maioria sobre os direitos das minorias. O segundo passo, é questionar o meios pelos quais a vontade da maioria é expressa, prejudicando assim a votação. (Na era digital, devemos olhar as reivindicações por tecnologia que estão nos gadgets que podem interpretar sua vontade e votar por você). O estudioso de IA César Hidalgo, por exemplo, argumentou que no futuro deveríamos ter avatares digitais, atuando em nosso lugar.

A democracia limita o governo da minoria para garantir que os direitos da maioria sejam protegido. Em uma democracia, você não pode ir para a prisão se não tiver infringido a lei, mesmo que a maioria de sua sociedade votasse para que seus direitos fossem violados. Isso para isso que existe o estado de direito existe.

A Privacidade é cegueira da justiça

Uma das maiores virtudes da democracia é sua ênfase na igualdade e na justiça. Ninguém deve estar acima da lei, todos têm os mesmos direitos, todos os maiores de idade têm direito a voto e todos têm oportunidade de participar da democracia de maneiras mais ativas – até mesmo as pessoas que acabam no lado perdedor de uma votação. Um dos maiores vícios da economia baseada em dados é como ela está minando a igualdade em várias maneiras. A própria essência da economia baseada em dados pessoais é que todos somos tratados de maneira diferente, de acordo com nossos dados. É porque somos tratados de forma diferente que os algoritmos acabam sendo sexistas e racista, como vimos. É porque somos tratados de maneira diferente por causa de nossos dados que diferentes pessoas pagam preços diferentes pelo mesmo produto sem saber que podem estar pagando mais do que outros. É porque somos tratados de maneira diferente que podemos ver conteúdos diferentes, que ainda amplifica nossas diferenças – um ciclo vicioso de alteridade e desigualdade.

Não importa quem você é, você deve ter o mesmo acesso a informações e oportunidades. As personificações da justiça são frequentemente retratadas usando uma venda, simbolizando a imparcialidade da justiça. Privacidade é o que pode cegar o sistema para garantir que sejamos tratados com igualdade e imparcialidade. A privacidade é a venda dos olhos da justiça.

Reparando as assimetrias do poder

Os grandes da tecnologia e os políticos têm sido muito bem-sucedidos em nos manipular porque estamos sofrendo de uma assimetria de conhecimento que levou a uma assimetria de poder. Até recentemente, sabemos muito pouco sobre como a grande propaganda política e tecnológica funciona no mundo digital. Suas táticas são invisíveis para nós, enquanto eles sabiam quase tudo sobre nós. Nós temos trabalhar para colocar a balança de volta a nosso favor. Precisamos saber mais sobre eles e garantir que saiba menos sobre nós. Se você manter seus dados seguros, eles saberão menos sobre você como pessoa e menos sobre nós, como cidadãos.

Algo ainda bastante preocupante é o fato das grandes empresas de tecnologia estarem financiando pesquisas e desenvolvendo de soluções que interferem diretamente na ética e na política. Uma parte importante na ajuda para corrigir as assimetrias de poder na era digital é: se as grandes empresas de tecnologia quiserem financiar pesquisas, pois as financiem, mas por meio de intermediários que permitem o espaço entre os pesquisadores e o fonte de financiamento. Os intermediários podem ser governos, fundações independentes ou universidades, contanto que os fundos sejam doados de uma forma que não hajam compromissos firmados entre as partes. Se fundos de pesquisas cessarem porquê acadêmicos defendem um ponto de vista controverso, a liberdade acadêmica será comprometida, e a sociedade será pior, já que os acadêmicos não serão capazes de pesquisar o que eles acham que é o mais importante e divulgar os resultados de suas pesquisas. Já posso ver pesquisadores evitando pontos de vista controversos e escolhendo tópicos que as grandes tecnologias olharão com benevolência olhos. Se você espera ser financiado pelo Google, você acha que vai fazer pesquisas sobre a moral aspectos problemáticos dos anúncios? Assim como devemos ser mais críticos da pesquisa médica financiada por grandes pesquisa farmacêutica e nutricional financiada por empresas de alimentos, devemos ser cautelosos com pesquisas financiadas por grande tecnologia. Durante os últimos anos, o jornalismo independente tem sido um dos mais ferozes meios de vigilância da sociedade oponentes – junto com denunciantes. Edward Snowden denunciou a vigilância em massa e aprendemos sobre isso graças a Laura Poitras, Glenn Greenwald, Ewen MacAskill e o The Guardian, então liderado pelo editor Alan Rusbridger. Carole Cadwalladr, do The Observer, revelou o funcionamento de Cambridge Analytica e deu voz ao denunciante Christopher Wylie. Todas essas pessoas tiveram que suportar enormes pressões para nos informar. Snowden teve que buscar asilo em Moscou e talvez nunca mais possa voltar aos Estados Unidos. O parceiro de Greenwald foi detido e interrogado por nove horas no aeroporto de Heathrow sob a Lei do Terrorismo e seu computador foi apreendido. Laura Poitras foi detida em vários aeroportos e interrogada. O The Guardian, sob ameaça de injunção, e sob o olhar vigilante do governo, foi forçado a destruir o disco rígido que continham os documentos vazados de Snowden. Carole Cadwalladr enfrentou um processo por difamação do milionário Arron Banks, que estava envolvido na campanha do Brexit. Se não fosse por alguns bravos jornalistas, não estaríamos cientes das regras que seguimos. Leia e apoie o jornalismo sério e investigativo. É parte de como os cidadãos se fortalecem contra o poder corporativo e governamental. Notícias falsas e propaganda têm algo em comum com truques de mágica. Truques de mágica capturam nossa atenção, mesmo quando sabemos que são ilusões. O professor de psicologia Gustav Kuhn descobriu que as ilusões podem ser tão atraentes, mesmo quando sabemos que estamos sendo enganados. Um bom truque ainda nos fará pensar em algo paranormal pode estar acontecendo. O feitiço só é quebrado quando somos informados de como o truque é feito. Da mesma forma, entender como o conteúdo personalizado é projetado e para quais propósitos pode prejudicar alguns de seu poder – pode quebrar o feitiço.

Poder de resistência

Como mostram esses exemplos, o poder pode ser resistido e desafiado. Você também tem poder e, coletivamente, temos ainda mais. Algumas Instituições, na era digital, acumularam muito poder, mas podemos recuperar os dados que a sustentam e podemos limitar a coleta de novos dados. O poder da grande tecnologia parece e é muito sólido, mas isso pode ser interrompido. Eles não são nada sem nossos dados. Um pequeno regulamento, um pouco de resistência dos cidadãos, algumas empresas começando a oferecer privacidade como uma vantagem competitiva, e tudo pode virar fumaça. Ninguém está mais consciente de sua vulnerabilidade do que as próprias empresas de tecnologia. É por isso que eles estão tentando nos convencer de que, afinal, se preocupam com a privacidade. É por isso que gastam milhões em lobby. Se eles estivessem tão certos sobre o valor de seus produtos para o bem dos usuários e da sociedade, eles não precisariam fazer tanto lobby. Empresas de tecnologia abusaram de seu poder e é hora de resistir a eles. Na era digital, a resistência inspirada no abuso de poder foi apelidada de techlash. Abusos de poder nos lembram que o poder precisa ser reduzido para que seja uma influência positiva na sociedade. Mesmo que você seja um entusiasta de tecnologia, mesmo que pense que não há nada errado com o que as empresas de tecnologia e os governos estão fazendo com nossos dados, você ainda deve querer que o poder seja limitado, porque você nunca sabe quem será o próximo no poder. Seu próximo primeiro ministro pode ser mais autoritário do que o atual; os próximos CEOs das próximas grandes empresas de tecnologia podem não ser tão benevolente quanto seus predecessores. Não ceda seus dados à economia de dados, sem alguma resistência. Não cometa o erro de pensar você está protegido contra danos à privacidade, talvez porque você é jovem, homem, branco, heterossexual e saudável. Se você pensa que seus dados só podem funcionar a seu favor, e nunca contra você, é porquê você teve sorte, até agora. Mas você pode não ser tão saudável quanto pensa e não será jovem para sempre. A democracia que você está dando como certa pode se transformar em um regime autoritário que pode não te favorecer. Se abrirmos mão de todo o nosso poder de vigilância do capitalismo porque pensamos nossos líderes atuais são benevolentes, não seremos capazes de recuperar esse poder quando as coisas azedarem, seja porque conseguimos novos líderes ou porque nossos líderes atuais nos decepcionam. Além disso, lembre-se do velho ditado do político britânico do século XIX John Dalberg-Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente“. Não é prudente deixar que a tecnologia ou os governos tenham muito poder sobre nós. Mas antes de entrarmos nos detalhes de como retomar o controle de seus dados pessoais – e com eles sua autonomia e nossas democracias – há mais uma razão pela qual devemos resistir à economia baseada em dados. Além de criar desequilíbrios de poder, a economia baseada em dados e de vigilância é perigosa porque comercializa dados pessoais e os dados pessoais são uma substância tóxica.

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