Mudanças nas estruturas das cadeias de suprimentos

A era de ouro da globalização, em 1990-2010, foi algo para se admirar”, escreveu o The Economist em um artigo de janeiro de 2019.  “O comércio disparou quando o custo de transporte de mercadorias em navios e aviões caiu, as chamadas telefônicas ficaram mais baratas, as tarifas foram cortadas e o sistema financeiro liberalizado.” A própria natureza das empresas foi transformada durante essas duas décadas, com a The Globally Integrated Enterprise destinada a se tornar o modelo corporativo do futuro, disse o CEO da IBM, Sam Palmisano, em um artigo de 2006 da Foreign Affairs.

Mas, então, o comércio global começou a desacelerar. “Depois dos anos 1990 e 2000, o ritmo da integração econômica estagnou nos anos 2010, quando as empresas lutaram contra as consequências de uma crise financeira, uma revolta populista contra as fronteiras americanas abertas e a guerra comercial do presidente Donald Trump”, escreveu o The Economist em 18 de Junho de 2022 em um artigo. “O fluxo de bens e capitais estagnou.  Muitos empresários adiaram decisões de investimentos e o just-in-time deu lugar ao ‘parar e esperar’. Ninguém sabia se a globalização enfrentaria uma pequena batalha ou a própria extinção.”

Agora a espera acabou, pois a pandemia e a guerra na Ucrânia desencadearam uma repaginação do capitalismo global em conselhos e governos”, acrescentou o artigo. “Para onde quer que você olhe, as cadeias de suprimentos estão sendo transformadas, desde os US$ 9 trilhões em estoques, armazenados como garantia contra a escassez e a inflação, até a luta pelos trabalhadores à medida que as empresas globais mudam da China para o Vietnã. Esse novo tipo de globalização, tem a ver com segurança, não com eficiência: priorizar fazer negócios com pessoas em quem você pode confiar, em países com os quais seu governo é amigo.”

Quase todo mundo concorda que as cadeias de suprimentos globais serão reestruturadas na próxima década, acelerando as mudanças que já estavam em andamento. “Os tomadores de decisão estão cada vez mais preocupados que as cadeias de suprimentos sejam robustas, não apenas eficientes”, disse o artigo informativo do The Economist. “Como resultado, eles estão optando por depender menos de jurisdições onde estão expostos a riscos”. E os países estão experimentando políticas industriais voltadas para a autossuficiência ou preeminência internacional em pelo menos algumas tecnologias e negócios “estratégicos”. Deixe-me comentar algumas dessas possíveis mudanças.

Equilibrar eficiência com resiliência

O crescimento explosivo das cadeias de suprimentos globais na década de 1990 foi impulsionado por uma obsessão pela eficiência econômica. A eliminação do desperdício – seja de tempo, materiais ou capital – era vista como fundamental para a vantagem competitiva, transformando a administração em uma ciência ensinada em todas as escolas de negócios. The World is Flat, de Thomas Friedman, tornou-se um best-seller internacional, explicando bem o que era a globalização em um mundo hiperconectado, incluindo as principais forças que contribuíram para o achatamento do mundo – desde o crescimento explosivo da Internet e dos negócios baseados em software de gerenciamento para o aumento da terceirização, offshoring e cadeias de suprimentos just-in-time.

Por que não queremos que os gerentes se esforcem para um uso cada vez mais eficiente dos recursos?”, questionou Roger Martin, ex-reitor da Rotman School of Management da Universidade de Toronto, em um artigo de 2019. Claro que somos focados na eficiência. Mas um foco excessivo nela, pode produzir efeitos negativos surpreendentes. Para contrabalançar esses potenciais efeitos, as empresas devem prestar a mesma atenção a uma fonte menos apreciada de vantagem competitiva: a resiliência.

Pense na diferença entre estar adaptado a um ambiente existente (que é o que a eficiência oferece) e ser adaptável às mudanças no ambiente. Os sistemas resilientes têm as mesmas características – diversidade e redundância, ou folga – que a eficiência procura destruir. O planejamento em tempos altamente incertos, como os que estamos vivendo, precisa focar na capacidade da empresa de reagir rapidamente a circunstâncias em rápida mudança, como foi o caso das interrupções nas cadeias de suprimentos nos últimos anos.

Cibersegurança e comércio internacional

A pandemia agora defende a aceleração da taxa e do ritmo da transformação digital de uma empresa. As empresas provavelmente adotarão e dimensionarão as mudanças que foram forçadas a fazer para ajudá-las a lidar com a crise. Ao mesmo tempo, as ameaças à segurança cibernética têm crescido. Fraudes em larga escala, violações de dados e roubos de identidade tornaram-se muito mais comuns.  À medida que passamos de um mundo de interações físicas e documentos em papel para um mundo governado principalmente por dados e transações digitais, nossos métodos de segurança cibernética existentes estão longe de serem adequados.

As ameaças cibernéticas aumentaram, com um número crescente de ataques por grupos criminosos e governos adversários. A segurança cibernética é agora invocada pelos governos como um aspecto importante da segurança nacional, pois eles se concentram na proteção de suas infraestruturas críticas e no bem-estar geral de suas nações.

Além do terrorismo e da segurança nacional, as ameaças cibernéticas têm o potencial de causar estragos no comércio e na economia global. Em um artigo recente, Framework for Understanding Cybersecurity Impacts on International Trade, os professores do MIT Stuart Madnick e Simon Johnson e o cientista pesquisador Keman Huang escreveram que as preocupações com a segurança cibernética se tornaram uma questão fundamental para a política comercial internacional.

Governos em todo o mundo estão desenvolvendo estratégias para se protegerem contra ameaças cibernéticas”, disseram os autores. “Mais de 50 países publicaram estratégias de segurança cibernética para definir a segurança do ambiente online de uma nação.  … Um exemplo típico, sugerido informalmente, é que produtos potencialmente perigosos provenientes de países questionáveis devem ser excluídos da importação. Mas isso levanta muitas questões políticas, como (1) o que é um país questionável, considerando as cadeias de suprimentos globalizadas para quase todos os produtos, (2) quais produtos são mais preocupantes e (3) presumir que tais restrições rapidamente se tornem políticas mundiais com retaliações, qual pode ser o impacto no comércio internacional e na economia?”

A história mostra que as quebras no comércio internacional podem levar a crises econômicas muito graves. No rescaldo da quebra do mercado de ações de 1929, os EUA impuseram a Lei Tarifária Smooth-Hawley, que elevou as tarifas de mais de 20.000 produtos importados para reduzir a pressão sobre o crescente déficit comercial. Em resposta, mais de 25 parceiros comerciais dos EUA aumentaram suas próprias tarifas. O comércio global despencou 67%, piorando significativamente os efeitos da Grande Depressão.

Cadeias de abastecimento nacionais e regionais

Na última década, o comércio global estagnou, com a participação nas receitas e lucros das empresas americanas no exterior praticamente estável. “Um dos motivos foi a automação, que reduziu a intensidade de trabalho na manufatura e, portanto, a vantagem competitiva dos países com salários mais baixos que se tornaram centros de terceirização nas décadas de 1990 e 2000”, disse o The Economist. “Outra coisa, foi que os salários nesses países aumentaram. Em 2000, a renda anual média por pessoa da China expressa em dólares, era de 3% da americana. …Em 2019, esse número aumentou para 16%.

A pandemia e a guerra na Ucrânia estão acelerando as transformações em andamento na cadeia de suprimentos, como trazer a produção para mais perto de casa. Várias cadeias de suprimentos provavelmente serão substituídas por outras locais e regionais, especialmente para suprimentos críticos, como os dos setores médico e farmacêutico, e para a produção complexa, onde as linhas de montagens precisam cruzar fronteiras, como costuma acontecer com a fabricação de máquinas.

Com o tempo, é bem possível que empresas de economias desenvolvidas tentem estabelecer novos clusters de produção, contando com tecnologia e automação em vez de arbitragem de custos de mão de obra. A Zara, varejista espanhola de vestuário, é um exemplo de empresa que montou uma base diversificada de fornecedores regionais, não apenas para ajudar a evitar as interrupções no fornecimento, mas também para ajudá-los a reagir mais rapidamente às mudanças nas tendências da moda. As diferentes linhas de vestuário da Zara chegam às suas lojas de forma independente, em vez de fazerem parte de uma cadeia de abastecimento altamente integrada.

Reprojetar cadeias de suprimentos leva tempo, e perceber um efeito, leva ainda mais. … Mas a mudança está em andamento”, conclui o The Economist. “O aumento da integração econômica não trouxe a maior harmonia global que alguns esperavam. É difícil imaginar se a fragmentação da cadeia de suprimentos será melhor, e é muito fácil imaginá-la piorando as coisas. Essa pode ser uma das razões pelas quais, por muito tempo, as mudanças na forma fundamental da globalização foram muito faladas, mas pouco perseguidas. Agora que estão realmente acontecendo, estão contribuindo significativamente para uma nova ansiedade”.

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