
Na época da faculdade, tive contato com materiais acadêmicos de Carlota Perez e um dos mais expressivos, foi seu livro de 2002, Technological Revolutions and Financial Capital: The Dynamics of Bubbles and Golden Ages. Na época, vivíamos uma série de grandes mudanças – os atentados de 11 de setembro, o crescimento explosivo da Internet, o advento da economia digital, a bolha das pontocom e o estouro da bolha. Perez explicou muito bem aqueles tempos turbulentos, dentro da perspectiva histórica sobre a qual escreveu em seu livro.
Se você olhar para o panorama histórico, vai notar que as revoluções pelas quais o mundo já passou, baseiam-se em padrões, que servem como um guia para entender o passado e pensar o futuro. Desde o início da Revolução Industrial, tivemos 5 grandes revoluções tecnológicas, cada uma com duração aproximada de 40 a 60 anos.
Primeiro, foi a era das máquinas e fábricas, à partir de 1771. Seguiu-se então a era do motor a vapor, das ferrovias, do ferro e do carvão, a partir de 1829; depois veio o aço, a eletricidade e a engenharia, que chegaram em 1875; na sequência vieram o petróleo, os automóveis e produção em massa, em 1908, e a nossa atual era digital de tecnologia da informação e telecomunicações (TIC) começando em 1971.
As revoluções tecnológicas são motores de crescimento, que inauguram novos paradigmas de inovação, rejuvenescendo e transformando a economia e remodelando o comportamento social e a sociedade. Para entender melhor a dinâmica de uma revolução tecnológica, devemos dividi-la em dois períodos diferentes, cada um com duração de 20 a 30 anos.
O período de instalação é o momento da destruição criativa, quando novas tecnologias emergem do laboratório para o mercado, os empreendedores iniciam novas empresas para aplicar os novos modelos no mundo real, os Fundos de Investimentos incentivam a experimentação destes novos modelos de negócios e os novos empreendimentos, por sua vez, atraem o capital financeiro. Inevitavelmente, um frenesi especulativo ocorre, levando a uma bolha financeira, que eventualmente estoura.
Após o estouro, vem o período de implantação. Sua fase inicial é um momento de recomposição social. As tecnologias e os paradigmas econômicos, agora se tornam bem aceitos, passando a ser adotado como norma; novas infraestruturas e indústrias são mais bem definidas e mais estáveis; e o capital de produção impulsiona o crescimento e a expansão de longo prazo, espalhando e multiplicando os modelos de negócios bem-sucedidos. Com o tempo, a era tecnológica atinge sua fase de maturidade e começa a declinar e a próxima era começa a se enraizar.
Em um debate em 2017, Perez foi convidada a comentar sobre a diferença entre a revolução da era digital e as quatro revoluções anteriores, já que já se passaram mais de 45 anos desde o advento das revoluções das TICs e 15 anos desde o estouro da bolha das pontocom, – os períodos revolutivos mais longos, segundo suas teorias.
“Provavelmente essa é também a transformação mais profunda da vida cotidiana das pessoas e a que foi mais longe globalmente”, disse Perez. “Além disso, dada a nossa vida útil mais longa, a geração mais velha levou mais tempo para entregar o poder – neste caso, para os nativos digitais mais jovens. Mesmo depois de 40 anos, a revolução da informação e das comunicações está longe de estar completa e também não conseguiu mudar totalmente nosso modo de vida, como as revoluções tecnológicas anteriores haviam feito.” Além disso, tivemos duas grandes bolhas das quais nos recuperar – a bolha pontocom no final da década de 1990 e a bolha imobiliária de meados da década de 2000, que levou à crise financeira global de 2008 e inda não terminamos de nos recuperar da queda dessas duas bolhas recentes.
Em um artigo de 2016, Capitalism, Technology, and a Green Golden Age, Perez observou que encerrar uma crise, historicamente, envolve uma mudança de paradigma na direção da economia e da sociedade como um todo. Ela argumentou que “uma mudança radical na política é agora necessária para inclinar o campo de jogo para o crescimento e inovação verdes, como a nova direção para nossa era, e que tais políticas podem trazer de volta o crescimento e os empregos e reduzir a desigualdade”.
“O que foi especialmente notável em Revoluções Tecnológicas e Capital Financeiro de Carlota Perez foi o seu timing: foi no meio do inverno frio de 2002 que a Bolha pontocom estourou, e Perez estava lá argumentando que a revolução da TI e a Internet não eram de fato ideias mortas, mas uma transição natural, de uma fase para outra”, escreveu Ben Thompson em The Death and Birth of Technological Revolutions, o primeiro de dois artigos sobre o trabalho de Perez em seu excelente boletim informativo Stratechery.
O artigo de Thompson começa com uma explicação muito boa do trabalho de Perez, a quem ele admira. No entanto, ao contrário de Perez, ele argumenta que a transição para a fase de implantação da era das TICs já começou; e conclui que estamos firmemente na fase de sinergia, com a economia e a sociedade sendo reorganizadas em torno do novo paradigma da economia digital e aqui está um resumo dos três argumentos-chave que Thompson dá como evidência para sua conclusão:
1. Dispersão tecnológica. As tecnologias, infraestruturas e aplicativos digitais continuaram a avançar desde que a bolha das pontocom estourou há duas décadas.
“[Hoje] mais de quatro bilhões de pessoas têm acesso à Internet e, graças à natureza global da web, aqueles em países em desenvolvimento podem consumir e criar nas mesmas plataformas que os mais abastados.”
Além disso, mais de 7 bilhões de pessoas em todo o mundo estão usando telefones celulares.
Chegamos ao ápice do paradigma tecnológico atual: Mobile + Cloud. Em um artigo de 2020, The End of the Beginning, Thompson escreveu que a era da tecnologia digital é melhor compreendida como uma transformação de várias décadas ao longo de três fases tecnológicas distintas:
- A fase inicial do mainframe de processamento em lote,
- A fase interativa desktop/PC, e
- A fase final móvel + nuvem contínua em todos os lugares.
“O que é notável é que o ambiente atual parece ser o ponto final lógico de todas essas mudanças: do processamento em lotes à computação contínua, de um terminal em uma sala, a um telefone sempre conectado em sua bolso, de uma unidade de fita a data centers espalhados por todo o mundo.”
2. Capital Financeiro e Capital de Produção. “Um dos princípios mais importantes no modelo de Perez é a diferença entre Capital Financeiro e Capital de Produção e os papéis que eles desempenham no período de instalação versus o período de implantação”, escreveu Thomspon no segundo artigo sobre seu trabalho.
“O capital financeiro é fundamental no período de instalação de uma revolução tecnológica. Por ser móvel e buscar retorno, flui para novas tecnologias que estão surgindo; no caso da era atual, isso significou chips, depois softwares e depois serviços. O capital financeiro também é altamente especulativo e provoca um frenesi que leva a uma bolha, que foi exatamente o que aconteceu na era pontocom.”
“O capital de produção, por outro lado, é colhido de negócios lucrativos que reinvestem seus ganhos para melhorar seus produtos e expandir seus mercados durante o período de implantação. Isso claramente vem acontecendo com as maiores empresas de tecnologia: um dos melhores investimentos que alguém poderia ter feito na última década teria sido ações da Apple, Microsoft, Google, Amazon e Facebook, não porque precisassem de capital de investidores, mas porque estavam gerando retornos excepcionais ao reinvestir seus próprios lucros.”
Então, o quê virá?
Ainda estamos esperando o período de implantação da revolução das TICs, caracterizada por uma inovação verde a caminho de uma era de ouro verde, como afirma Perez; ou já entramos no período de implantação caracterizado pelo capital de produção e investimentos, como argumenta Thompson?
Resposta: ainda não sabemos muito bem. O tempo vai dizer. Como Ben Thompson escreveu em conclusão:
“Uma coisa é ver que o futuro está chegando; outra coisa totalmente diferente é saber o seu tempo. Sobre isso, Perez e eu certamente podemos concordar.”