Mudanças na economia global

Dizer que os últimos anos foram economicamente turbulentos seria uma descrição branda para tudo o que realmente aconteceueu”, escreveu o economista e empresário Mohamed El-Erian em “Not Just Another Recession: Why the Global Economy May Never Be the Same”, artigo publicado na revista Foreign Affairs. El-Erian é um dos pensadores econômicos mais influentes do mundo — é presidente do Queens College na Universidade de Cambridge, principal consultor econômico da Allianz e ex-CEO da PIMCO.

A inflação atingiu seu nível mais alto em décadas, e uma combinação de tensões geopolíticas, interrupções na cadeia de suprimentos e aumento das taxas de juros ameaça mergulhar a economia global em recessão… Economistas e analistas financeiros trataram esses eventos como consequências do ciclo de transformações na economia. Mas, na realidade, em vez de ser só mais uma volta do ciclo econômico, o mundo pode estar passando por grandes mudanças estruturais que durarão mais do que o esperado”.

Como evidência dessas mudanças, o artigo cita uma série de fatos econômicos e financeiros ocorridos nos últimos anos. Isso inclui o fortalecimento das autocracias em todo o mundo, a polarização política em várias democracias liberais, a crescente mudança dos EUA do livre comércio para o protecionismo e as crescentes tensões entre a China e os EUA.

De acordo com El-Erian, três grandes mudanças estruturais ajudam a explicar esses movimentos que provavelmente gerarão ainda mais incertezas e tensões nos próximos anos:

  • A mudança de demanda insuficiente para oferta insuficiente. Uma série de mudanças importantes – como menor força de trabalho, sanções comerciais à Rússia e agravamento das tensões com a China – estão abalando as cadeias de suprimentos globais;
  • O fim da liquidez ilimitada dos bancos centrais. As intervenções dos bancos centrais para estimular a atividade econômica e manter as taxas de juros artificialmente baixas, deveriam ser limitadas no decorrer do tempo; isso não ocorreu e agora causam sérios danos colaterais e volatilidade no mercado financeiro.
  • A crescente fragilidade dos mercados financeiros. A expectativa de dinheiro fácil estimula indivíduos e profissionais a se envolverem em atividades financeiras mais arriscadas e em investimentos menos compreendidos e menos regulamentados.

Algumas semanas após a publicação do artigo, El-Erian foi o convidado do jornalista do NY Times Ezra Klein em seu podcast “Três sinais de que entramos em uma nova era econômica”, onde discutiram as três mudanças estruturais sobre as quais El-Erian escreveu em seu artigo.

Klein apresentou o podcast observando que “Nos últimos anos, os mercados foram afetados por choques significativos. …  Mas El-Erian acredita que também estamos testemunhando uma mudança estrutural mais profunda na própria natureza da economia global. Os formuladores de políticas econômicas estão tentando trazer a economia de volta à de 2019, mas, ainda não há sinais desta recuperação.

O abalo das cadeias de suprimentos globais

Por que você diz que a primeira grande mudança com a qual estamos lidando é a mudança da crença de que o grande problema da economia global era demanda insuficiente para agora acreditar que é a oferta insuficiente?, perguntou Klein.

Em primeiro lugar, o mercado de trabalho está mudando”, respondeu El-Erian. Parte da população têm deixado a força de trabalho, tornando mais difícil ainda para as empresas, encontrar trabalhadores. Isso tem a ver não apenas com o impacto contínuo da pandemia, mas também “com a mudança de preferências sobre o equilíbrio entre vida e trabalho e com a falta de incentivo e apoio para que certos segmentos da população se envolvam na força de trabalho”. Além disso, um problema crescente e difícil de administrar é a questão das habilidades dos desempregados versus os empregos que as empresas desejam contratar, relacionado à evolução de uma economia baseada na produção de bens físicos para uma economia baseada em tecnologia e indústrias de serviços.

Klein observou que a fragilidade da cadeia de suprimentos foi exposta na pandemia, então estamos agora, tentando criar mais cadeias de suprimentos ou pelo menos tê-las mais perto de casa.

Quais são as mudanças duradouras? O que voltou e o que você acha que simplesmente não voltará? Perguntou Klein.

A maioria dos efeitos da pandemia voltou, respondeu El-Erian. Quando a economia parou, os custos de frete e contêineres dispararam, mas agora caíram e estão voltando ao normal.

Mas há duas forças em jogo. Uma delas é a fragmentação geopolítica, que tem a ver com as tensões entre China/EUA, que estão basicamente dizendo que, por razões de segurança nacional, vamos aumentar a resiliência de nossas cadeias de suprimentos”.

A segunda força, é o que as empresas estão fazendo. “Por muito tempo o just-in-time governou as cadeias de suprimentos, e por um bom motivo: estocar é muito caro. Se você consegue administrar cadeias de suprimentos muito eficientes, você pode ganhar muito dinheiro. Mas esse foco na eficiência custou a resiliência.”

As consequências negativas de um foco excessivo na eficiência foram bem explicadas pelo professor Roger Martin, da Universidade de Toronto, em “The High Price of Efficiency”, um artigo publicado em janeiro de 2019 na Harvard Business Review. A crença de que a eficiência é fundamental para a vantagem competitiva transformou a gestão em uma ciência, cujo objetivo é a eliminação do desperdício, seja de tempo, materiais ou capital. Mas um foco excessivo na eficiência pode produzir efeitos negativos surpreendentes. Para contrabalançar esses potenciais efeitos negativos, as empresas devem prestar a mesma atenção a uma fonte menos apreciada de vantagem competitiva: a resiliência, “que é a capacidade de se recuperar de dificuldades – de voltar à forma após um choque”, comentário feito um ano antes do advento do Covid19.

O fim da liquidez ilimitada

A segunda grande mudança estrutural está determinando o fim da era de dinheiro fácil e ilimitado dos bancos centrais.

Os bancos centrais desempenharam um papel absolutamente crítico em evitar uma depressão, após a crise financeira global de 2007-2008, disse El-Erian. Em 2010, os bancos centrais haviam reparado os mercados com problemas e deviam começar a recuar em suas linhas de liquidez e empréstimos. Mas, em vez disso, continuaram a injetar liquidez na economia por meio de uma série de flexibilizações quantitativas (QE), mantendo taxas de juros muito baixas. Isso encorajou muitos a assumir ainda mais alavancagem e dívidas.

E quanto mais persistia, mais coisas aconteciam. Primeiro, condicionou-se os mercados a pensar nos bancos centrais como seu melhor amigo para sempre. E sempre que houvesse qualquer turbulência nos mercados, eles entrariam disponíveis para ajudar.

Segundo, “começamos a ver uma má alocação de recursos e todos os tipos de consequências e danos colaterais. Isso nos levou a todo esse cenário durante a pandemia, quando governos e bancos centrais intervieram, mas continuaram fornecendo suporte à alta liquidez. Combine isso com problemas de abastecimento – e você acabará com uma alta da inflação.”

E no instante em que se tem inflação alta, não se pode mais continuar com a mesma política monetária. É preciso mudar. E é aí que estamos. Estamos mudando a política econômica. Mas estamos fazendo isso com um sistema financeiro condicionado a um regime, que se pensou que duraria para sempre.”

A crescente fragilidade dos mercados financeiros

A discussão então voltou-se para a terceira grande mudança: estamos entrando em uma era de mercados financeiros cada vez mais frágeis.

Klein observou que os mercados financeiros passaram por grande turbulências, apenas ha 15 anos atrás, durante a crise financeira global, bem como, recentemente, durante a pandemia. Durante este período, os bancos continuaram a financiar e arrolar dividas, mas passaram a mostrar fragilidade; quase em crise.

Então me diga de que tipo de fragilidade você está falando aqui. O que há de diferente nesta era de ameaça de crise financeira iminente?

El-Erian explicou que a crise financeira global foi, em última análise, sobre os sistemas bancários, pagamentos e liquidação de dívidas.

Nós entendemos o problema. Aplicamos e injetamos capital. Limitamos as atividades dos bancos. E basicamente reduzimos e neutralizamos o risco do sistema bancário.

Mas o risco não desapareceu. Ele migrou de bancos para não bancos, — passou para sistemas de pensão, fundos imobiliários, cripto ativos. “E esses, que são menos compreendidos, menos regulamentados e menos supervisionados. … passaram de pequenos focos de fogo, e se tornam grandes incendios.

Klein disse: “Eu me pergunto se os cripto ativos não são quase que um herói anônimo, porque trouxeram muito desse comportamento financeiro de risco e de alta recompensa, empurrando tudo de forma caótica, de qualquer maneira – para esse mercado estranhamente autocontido”.

El-Erian concordou que seria bom se o comportamento financeiro de risco fosse contido, porque foi canalizado para os cripto ativos. “Mas e se os riscos, quase que irresponsáveis que vemos nas criptos também estivesse ocorrendo em outros lugares – encorajados por baixas taxas de juros, haveria uma melhor percepção de que os mercados só sobem os juros porque os bancos centrais fazem pressão, e que um cripto ativo simplesmente passou a ser estruturalmente a parte mais frágil desses casos.”

Por fim, El-Erian discutiu como os formuladores de políticas devem responder a essas grandes mudanças na economia.

O que repito para as pessoas é que não vivemos mais em um mundo ordenado. Estamos vivemos em um mundo onde existem muitos resultados potenciais, nenhum domina em termos absolutos e, portanto, temos que fazer três coisas: (I) ter a mente aberta e planejar vários resultados possíveis e não ficar refém de apenas um; (II) ter planos de ação para diferentes resultados, então não somos pegos de surpresa; e (III) reconhecer que a diversidade cognitiva é absolutamente crítica (conhecimento é tudo) se você vai navegar neste mundo, … tem que saber atuar na diversidade de gênero, educação, cultura e de experiências muito mais sérias.

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