O ‘start’ digital

Vivemos num tempo de milagres tão corriqueiros que se torna difícil enxergá-los.”

Os textos (acima e abaixo) foram escritos pelo teórico e especialista em tecnologia Kevin Kelly em seu blog, em agosto de 2011:

Tive de convencer a mim mesmo a acreditar no impossível com mais regularidade. (…) anos atrás, se eu fosse contratado para convencer pessoas sensatas e esclarecidas que dali a alguns anos as ruas do mundo todo estariam mapeadas por fotos de satélite e à disposição em nossos telefones portáteis – de graça – eu não teria conseguido convencer praticamente ninguém. Não saberia ilustrar as razões econômicas para que isso fosse oferecido “de graça” e ao mesmo tempo com um lucro fantástico aos idealizadores. Isso era completamente impossível de se explicar naquela época.

Os fatos impossíveis de nosso tempo estão apenas começando. Novas formas de colaboração e interação nos esperam, cujo esboço, talvez, possa ser percebido pelo fato de que os telefones conectados à internet estão cada vez mais presentes, carregados em nossos bolsos, e eles são mais poderosos do que a maioria dos computadores de dez anos atrás. Hoje, bilhões de pessoas têm acesso instantâneo a dados, antes, totalmente restritos a governos e universidades.

O ritmo com que essas mudanças ocorrem é sem precedentes. A televisão e o rádio foram inventados há cerca de um século; a prensa há mais de quinhentos anos. No entanto, em apenas duas décadas e meia, fomos do início da internet pública, à marca de mais de 4 bilhões de pessoas conectadas; e passaram-se apenas três décadas desde o lançamento do primeiro sistema comercial de telefonia celular, até a mais de 7 bilhões de usuários ativos.

Essa rede global inteligente já está a nos conectar, não apenas a outras pessoas, mas a objetos de nosso dia a dia – de carros e roupas a comidas e bebidas. Por meio de chips inteligentes e bancos de dados distribuídos, estamos diante de uma forma de conexão sem precedentes não apenas uns com os outros, mas com o mundo à nossa volta: suas ferramentas, seus espaços compartilhados, seus padrões de ação e reação; e junto com tudo isso chegam novas informações sobre o mundo, de diferentes formas: informações sobre onde estamos, o que estamos fazendo e do que gostamos.

O que devemos fazer com todas essas informações?

A pergunta mais importante a ser feita é:

O que os governos, corporações, ativistas, criminosos, policiais e criadores – já estão fazendo com elas?

Estamos passando a viver em uma nuvem de dados: redes inteligentes estão, não só nos conectando uns aos outros, mas a tudo.

Conhecimento e poder sempre andaram de mãos dadas. Hoje, entretanto, a informação e a infraestrutura pela qual ela flui não representam apenas poder, mas um novo tipo de força econômica e social. Em termos intelectuais, sociais e legislativos, estamos anos, se não décadas, atrasados em relação às questões do presente. Em termos de gerações, a divisão entre os “nativos digitais” e aqueles que nasceram antes dela pode parecer um abismo através do qual se torna difícil articular determinadas conclusões e valores.

Temos então que examinar o que isso pode significar para todos nós, não apenas existir, mas prosperar em uma era digital; “viver” e aproveitar ao máximo as crescentes possibilidades de nosso tempo. Explorar essas possibilidades é como explorar um novo mundo. Adentramos um espaço onde a natureza humana permanece a mesma, mas as estruturas que lhe dão forma nos são estranhas. O mundo digital atual não é apenas uma ideia ou um conjunto de ferramentas, da mesma forma que um dispositivo digital moderno não é apenas algo para nos entreter e nos agradar. Ao contrário – para um número cada vez maior de pessoas, ele é uma passagem para o lugar onde lazer e trabalho estão interligados: uma arena em que se concilia amizades, notícias, negócios, compras, pesquisas, política, jogos, finanças e muitas outras atividades. Então, no que diz respeito à questão de como prosperar neste novo mundo, devemos traçar duas Linhas de pensamento:

– Primeiro, como nós, no papel de indivíduos, podemos prosperar no mundo digital;

– Segundo, como a sociedade pode nos ajudar tanto a explorar nosso potencial neste mundo, quanto a nos relacionar com as pessoas de forma mais humana possível.

Esses dois contextos têm origem no mesmo ponto e isso me põe a explorar questões muito inquietantes da tecnologia:

1. o que significa poder dizer “não” ou “sim” frente as ferramentas à nossa disposição, e

2. como podemos aproveitar tudo isso da melhor forma, tanto usando a tecnologia quanto usar de minha própria decisão para não usá-la.

Os desafios que enfrentamos – cientes ou não – dia após dia: questões de identidade, privacidade, comunicação, atenção e o equilíbrio entre tudo isso. Se existe um ponto em comum entre esses itens, é a questão de como a experiência individual se encaixa nesta nova forma de coletividade do século XXI: como o que “eu” sou está relacionado ao que outras pessoas sabem sobre mim, o que eu compartilho com essas pessoas e o que pode permanecer pessoal e privado.

A natureza da tecnologia digital é tão diversificada quanto a própria natureza humana e pode representar diferentes papéis em nosso cotidiano: ela pode ser um facilitador, uma biblioteca, um amigo, pode ser sedutora, representar conforto, prisão, etc. Em última instância, no entanto, todas as telas mutantes são também espelhos, nos quais temos a oportunidade de enxergar nós mesmos e os outros como nunca antes foi possível. Ou, é claro, simplesmente, podemos desviar o olhar.

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